Clube do Conto
Os restos de Dôra
Ronaldo Monte – Poeta e psicanalista
Dôra Limeira é barra pesada. A tinta de sua escrita é feita metade de adrenalina, metade dos excrementos do corpo e da alma dos humanos.
Dôra escreveu dois livros de contos. O primeiro é Arquitetura de um abandono, de 2003. O outro é Preces e orgasmos dos desvalidos, de 2005. Desaconselho os dois às almas leves e afeitas a desmaios. Os contos de Dôra doem como uma espremida de carnegão.
A escrita de Dôra se faz com o que sobra, o que resta, o que excede dos corpos. Mas os donos desses corpos, eles mesmos, restam, sobram, excedem num mundo de lugares e cartas marcadas. E estes seres nos incomodam de dentro da escrita de Dôra, da mesma forma que nos causa incômodo vê-los nas ruas. Mas se nas ruas podemos virar os olhos a estas exceções humanas, não podemos evitá-las nos textos de Dôra.
O trabalho de Dôra se assemelha ao de uma irmã de caridade que vai ao encontro dos sofredores nos lugares sórdidos do mundo e os acolhe nas páginas dos seus livros. E ao nos mostrar o sofrimento em toda sua crueza, Dôra nos convoca a ser co-responsáveis por este sofrimento. Coisa não muito difícil de alcançar, pois, no fundo, aqueles lá somos nós, sem tirar nem pôr. Apenas relutamos em nos reconhecer. Encontro com Dôra quase todo sábado, no Clube do Conto. Para brigar e beber chocolate quente. Com o tempo que sobra, lemos e ouvimos contos nossos e alheios. A cada novo conto de Dôra que conheço, mais me aproximo de sua humanidade. Mais me aproximo de minha própria humanidade. Quanto mais ela apura o seu estilo, mais me sinto instigado a escrever melhor a cada dia. Ninguém sai de perto de Dôra Limeira do mesmo jeito que chegou. Eu já disse e repito: esta senhora é barra pesada.
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