sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Sessão de Contos (7)

Aos poucos, a programação antiga do nosso blog vai retornando.

Diferente da Sessão da Tarde, um programa quase diário que exibe filmes na televisão, a Sessão de Contos é um "programa" quase semanal do nosso blog, trazendo para todos os internautas um dos contos lidos nas reuniões de sábado do Clube.

Nesta semana, exibiremos um conto de uma das integrantes mais recentes do Clube, Regina Lopes. Este conto foi lido na reunião do dia 15 de janeiro de 2011. Boa leitura!

* * *

Palavras de Amor

Regina Lopes

Nícia corria sem parar e sem saber por quê. Desde que saíra da festa, sentia um certo entorpecimento mental e agora movimentava-se rapidamente, deixando pegadas rasas na areia da praia. Como se um volante a direcionasse, foi levada a entrar em uma ruela onde os velhos da cidade distribuíam nacos de pão aos pombos.

Sentiu uma grande vontade de comer aqueles pedaços de pão e o fez compulsivamente, num ritmo que não era o seu, numa vontade que não era a sua. Ali, ouvindo o arrulho dos pombos, se lembrou do homem que acabara de conhecer na festa. Um homem que não parava de falar no seu ouvido. “Ele era estranho, não? Bastou apenas um cruzar de olhos para que me fisgasse. Eu fiquei paralisada, igual a um hipopótamo, afundado na lama até a altura dos olhos. Para ele eu só mostrei os olhos, mais nada. Nem a minha voz ele escutou. Dançamos. Ele me roubou um beijo e... não parava de falar.”

Mais adiante, no final da rua, encontrou um enorme ninho de pombos em volta do qual o povo se aglomerava. Lá dentro havia um homem que habilmente controlava os ventos e os fazia passar pelos buracos de um grande ralador de pão. Produzia sons inusitados e criava assim uma música envolvente. Esta música a foi entorpecendo e quando se encontrava em um estado quase hipnótico, o virtuoso homem profetizou: “aquele que hoje te beijou há de morrer por tua causa”. Dito isto, de cima do seu posto, abriu as asas e voou. Lá do alto, raspou flocos de nuvens na superfície cortante do ralador, derramando uma intensa neblina sobre a cidade.

Nícia ficou tão perturbada, que de todos se escondeu, apagando seus rastros na areia da praia. Aquele homem que a beijara havia mexido com ela; não sabia dizer como, não sabia o que sentia, mas não podia encontrá-lo de novo e permitir que a profecia se cumprisse.

Certo dia, cruzaram-se na rua e ele cobriu-a de beijos. Dizia estar com pressa em função do trabalho, mas ali mesmo, muito ansioso, marcou um novo encontro. No mesmo instante o ar ficou rarefeito e ela sentiu-se sufocar. Correu para casa, fez as malas e mudou-se para uma cidade do interior.

Desde então, na tentativa de amenizar a situação - certamente incompreensível para o pobre homem - passou a concentrar o pensamento nele e a enviar-lhe, mentalmente, lindas palavras de amor.

E assim os dias passaram e quando por fim sentiu-se aliviada e leve, ouviu a grande manchete do jornal: “Um homem fora encontrado morto em seu apartamento, soterrado por imensas palavras de amor”.

Obs.: Baseado em – Palavras de Amor – Nelson Coelho

domingo, 23 de janeiro de 2011

QUADRILHA... DE CONTISTAS

Ata referente ao dia 22 de janeiro de 2001.

Regina que lia sobre becos à beira da crase
e que lia Romarta que lia a menina que morava atrás da lua
e que leu Laudelino lendo o seu dinheiro ou sobre a dúvida
que leu André um tipo de terremoto
que ao ler sobre Norma fora da prosa toda prosa
foi lido o Raonix lendo sua piscina de fibra 750 Family
lendo o Brendan que não leu porque não quis.

Regina trouxe livros e levou outros,
André saiu para tomar café,
Laudelino cedeu o salão,
Raonix foi atender o celular,
Romarta chegou de mansinho
e Brendan quase não falou inglês
porque Norma estava caio não caio não caio
e o tema ficou desenho animado e que não tinha ainda entrado na história.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Traje atado ou desatado?

Não é ilusão, as atas do Clube do Conto estão de volta. Só assim pra você saber um pouquinho do que se passou na última reunião.

* * *

Ata referente ao dia 15 de janeiro de 2011.

Ata! Você está me pedindo para fazer uma ata? Pelo amor de Deus Lau, que caretice é esta! Não Regina, as do clube são exercícios de escrita, você pode fazer do seu jeito. Mas pelo amor de Deus, veja só esta palavra: é a mesma, lida de trás pra frente ou de frente pra trás, palavra fechada, que prende, tenho medo! Bora lá Regina, não se preocupe. Mas tenho medo! Medo, entende?, lembre lá, da Música do Raul Seixas que o Denser baixou no computador: Pa-ra-noi-a. Entro em noia, parece regressão na minha vida, eu que joguei tudo pro alto... ata!?...

Bora lá, bora lá, é tudo que mais ouço na Paraíba... Tudo bem, azeite café com leite, vou fazendo assim, deixando as lembranças sobre a noite saírem em fluxo, sem muita preocupação.

Uma noite de cores, Cabo Branco. E brancas eram as paredes da sala do Beto, branca a revista -ponto,-, brancas as blusas de Regina e Joana ( gente, Joana tem uma filha linda, de uma delicadeza de rosto!). Colocamos num canto, pra não dizer a palavra “aresta” e copiar o texto do Beto, colocamos num mesmo canto (canto de parede, viu?) todos os que estavam com blusa verde: Bonifacio, Hildeberto e Laudelino. Havia muito vermelho em função do sangue nos textos de Norma e Denser (tive vontade subir o fio da teia de aranha que perfurava o teto e ia em direção ao infinito) e um amarelo comportado, sentado em seu cantinho, lembrando a Magali. De dois outros tenho vagas lembranças (Vivi e André), talvez uma peça de roupa listrada ou quadriculada, de cor esmaecida, peças que não ficaram gravadas em minha memória. Mas, indiscutivelmente, a cor marrom predominou, por conta de um festival de café que aconteceu ali, das 18:oo às 21:30 (acho que 21:30, porque eu saí antes do fim). Fim. (mas tenho certeza absoluta que alguém morreu soterrado)

Regina Lopes Maciel

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Conto coletivo (em dupla)

Feliz 2011 a todos!!!

Depois de um longo e tenebroso inverno, atualizamos o nosso blogue com um conto coletivo, escrito por Raoni e Betomenezes. Divirtam-se!

* * *
Onde está Mingau?
Raonix/betomenezes
As brigas por causa de Mingau eram uma coisa corriqueira. Quem conhecia o casal, desde antes do enlace, já imaginava que Mingau seria um problema. Pobre Mingau. Talvez nada tivesse a ver com as desavenças. Talvez o problema estivesse na cabeça de seus donos: Magali e Marcelo.
Magali insistiu "Ele vem com a gente", e Marcelo, louco apaixonado, aceitou a condição, como quem olha o barco passar. E dessa maneira passaram-se dois anos, dois longos anos de Mingau a flutuar sobre o rio de ódio de Marcelo. A presença do bichano já se tornara insuportável.
"O que você fez com ele!?", gritou Magali possessa. No seu olhar não havia piedade e em sua mente não cabia outra explicação. Já não parecia estar falando com seu marido Marcelo, mas sim com o possível assassino do Mingau. Marcelo ficava na defensiva: "Deve ter achado uma namorada!".
Uma semana se passou sem notícias do gato. Cartazes com fotos de Mingau povoaram os postes das redondezas. Programas de rádio, televisão, jornais, todos gritavam em uníssono: "Onde está Mingau?!"
Quando as esperanças já se tornavam um farelo de polvilho sobre a mesa, um e-mail chegou. O título já dizia tudo. “Estamos com seu gato, espele novas instluções”. Em anexo, uma foto do gato deitado, repousando sobre um jornal do dia. E na ponta da fotografia, um espécie de cano que parecia ser... era de uma arma.
Magali desesperada deu um grito, “Meu Deus, Marcelo”. Marcelo não sabia o que falar. “Só pode ser o Cebolinha, ele nunca superou a nossa relação”. “Ele não chegaria a este ponto”, Marcelo tentou manter a calma, mesmo sabendo que o bandido se denunciara no seu modo de escrever, que era sua assinatura.
As drogas levaram Cebolinha a um caminho que desembocara na sua separação com Magali, situação essa que ele não superou, ainda mais depois do trágico suicídio de Mônica, sua melhor amiga. Cebolinha sabia o quanto Mingau era importante na vida de Magali, todas as lembranças que ele tinha (desde a infância) associavam a moça ao gato. Ter o gato perto dele, talvez fosse o último ato desesperado do desgarrado.
Foram as mais longas cinco horas que o casal esperou. Cebolinha, com requintes de crueldade, esperou que a madrugada desembocasse para só então mandar a segunda mensagem: “O gato vive. Por enquanto”. Só. “O que você quer, filho da puta?”, respondeu Magali na mesma hora. E em instantes, veio a exigência: “Você ”. E logo depois, a segunda mensagem com mais uma exigência: “Venha com aquele vestidinho amalelo, sem nada por baixo”.
Marcelo não acreditava naquilo. Magali boquiaberta, precisou de dez minutos para aceitar, “Marcelo, Cebolinha é louco, sempre teve alucinações com um homem perseguindo ele. A mãe dele o levou ao psiquiatra várias vezes. Ele tem um caso raro de distúrbio mental. Imagina uma pessoa que é calva desde menino. Ele é capaz de tudo”. “O que você quer dizer com isso, Magali? Vou ligar pra polícia agora”. “Não, eu conheço bem ele...”. Na hora que ela falava, chegou o terceiro email do meliante: “E então, Magali, estou espelando com Mingau e meia melancia. Nem pense em ligar plo 190. Ou mando outra foto com seu gatinho engasgado de caloços, ou cheio de fulos, entendeu?”.
Magali foi ao guarda-roupa e tirou do lá do fundo o vestido que sempre lhe caíra bem, antes que a obesidade a atacasse. Ainda coube, com aperto. “O que você está fazendo?”, vociferou o marido. “Eu vou Marcelo... Tenho coisas mal resolvidas para acertar”.
Depois que ela bateu a porta, Marcelo chorou meio que conformado.
Em vinte minutos Magali chegou no apartamento de Cebolinha. Entrou então sem, bater. Garrafas de uísque vazias estavam espalhadas pela sala. Capas de DVDs de filmes pornôs sobre a mesa. Ela foi ao quarto. Lá, Cebolinha cheirava alguma droga. Seus dois últimos fios de cabelos escondiam a careca. Seu olhar era profundo e louco.
“Onde está o Mingau?”, ela interrogou ao mesmo tempo que procurava.
“Com o Bidu e Floquinho”, ele ironizou. Os olhos dela arregalaram-se. Bidu, o cachorro de Franjinha, foi atropelado por um caminhão e seus pedaços se espalharam pela rua. Floquinho, o do próprio Cebolinha, comera veneno que dizem até hoje ter sido posto por Cascão, numa das brigas com o ex-amigo durante a adolescência.
“O quê?” O grito de Magali chegou perto de rachar os tímpanos do rapaz.
“Você gosta de felino a/à Palmegiana?”
“Não, você não seria capaz de fazer isso!”.
“Com um molho de tomate e um macalão que é uma delícia”.
“Cebolinha, você não...”
“Fiz o que aquele melda do teu malido nunca vai fazer por você.”.
“Meu mingau...”, ela chorou e sentou na cama ao lado do drogado.
“Confesse, meu amor, que ela o seu sonho!”.
“Seu merda, por que a/à Parmegiana? Depois desse tempo todo, você não sabe que eu prefiro a/à Cubana”.
E cearam quando amanhecia: Magali com os olhos na carne do gato, Cebolinha com o olhar perdido no vestidinho amalelo.