terça-feira, 30 de agosto de 2011

André R. Aguiar (Cartum + Conto)

ANDRÉ RICARDO AGUIAR nasceu em Itabaiana, Paraíba e ficou tempo suficiente nesta zona rural para adquirir o olhar para as coisas mais básicas da vida, tempo e memória. Veio para João Pessoa, tomou contato com livros e bibliotecas e nunca mais parou de beber da fonte. Passou por jornalismo e letras e através de muitas amizades, integrou os movimentos culturais do fim de século, além de colaborar com jornais e revistas, entre eles, Correio das Artes, sua estréia. Participou de concursos literários, fundou o selo Trema, junto com Antonio Mariano e José Caetano e ajudou a fundar o Clube do Conto. Começou na poesia, publicando A Flor em Construção (Idéia), Alvenaria (Ed. UFPB). Em seguida, o livro de crõnicas de viagem Bagagem Lírica (Sal da Terra) e os infantis O rato que roeu o rei (Rocco) e Pequenas Reinações. Tem inéditos outros livros.

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O MÁGICO

Ele era mágico, vivia disso e se orgulhava, quando saiu de sua terra, de ter de memória, todas as técnicas que aprendeu com um sujeito velho, espécie de caixeiro-viajante, que lhe ensinou o básico: tudo é  ilusão. 

Agora vivia num quartinho alugado, perto da boate onde ele, com destreza, fazia mil e uma mágicas de enganar a vista, o dito ilusionismo para alguns. Desaparecia e aparecia com o espectador e sabia muito bem esticar o suspense; as inevitáveis e mirabolantes estripulias com cartas de baralhos; o truque de mover objetos. E em tudo isso o pouco rendimento, o suado resultado que  mal pagava as contas – e que mal alimentava o coelho da cartola. Também sonhava com Carolina, a filha do dono do estabelecimento. Ia e vinha entre as  mesas, atendendo os clientes. 

Lembrava bem da cidade em que nasceu, da prima que se espantou com a primeira mágica, do beijo roubado no crepúsculo, da estranheza em pouco mais que um fim de semana ver o pai desaparecer numa curva da estrada e nunca mais aparecer,  amargo número incompleto.

Estava  nas reminicencias naquela manhã, quando treinava os números daquele dia, e, num momento raro, pegou o coelho, o pôs na cartola e o viu sumir. A mão sentiu a penugem ir aos poucos se desfazendo numa matéria mínima até pouco restar, a não ser pelos entre os dedos. Depois, olhou para o fundo da cartola, para os lados, para a sala e nada. 

Demorou muito a cair em si. Não era apenas a cartola. Qualquer coisa que pudesse se oculta por ele, podia sim, sumir. E não mais voltar. Esperou dias pela volta do coelhinho e nada. Sentiu ânsias de vômito e teve a impressão de uma bola de pelos efervecentes subir a garganta, e nada. 

Na boate, a platéia entediada, como a esperar que ele fosse apenas a atração secundária para o show com mulheres voluptuosas. Então, de pirraça, começou a desaparecer com pessoas. Escolhia ao acaso, na platéia, aqueles seres desacompanhados, que geralmente ficavam nos cantos apenas pedindo, com  os gestos mínimos, para não serem perturbados. Mas quando chamados, talvez para evitar um constrangimento na recusa, iam ao palco e se submetiam à humilhação de serem vistos e analisados com os olhares. Durava pouco, pois entravam numa cabine e, num zastrás, o vazio apenas, o holofote chicoteava e pronto, música de finalização. Ninguém reclamava o fechamento do círculo. Achavam que quem desaparecia, ia para os bastidores e de lá, talvez pegar a lateral da boate e ir embora. O dono do estabelecimento, vez ou outra, preocupado, perguntava mesmo, onde o sujeito? E ele, vestindo a roupa comum, desconversava dizendo, está na mesa perto do balcão, é só conferir. E dizia com poucas palavras, já anunciando que o silêncio era o que faltava vestir para ir cuidar da vida.

Mágica. Não tinha a capacidade, esta sim, necessária, de fazer aparecer coisas.  Dinheiro no bolso ou na cartola, por exemplo. Só desaparecia. Sabia, pois sonhou com isso, que as pessoas que desapareciam, forçosamente apareciam em outros lugares.  Os solitários caíam em antigas aldeias festivas e geralmente eram solicitados a cantar ou tocar.  Os tímidos ou feios terminavam em serviço social, os hospitais do outro lado do mundo, os contratavam para atender pacientes. Os que estavam terrivelmente molestados, com pouco tempo de vida, iam para as guerras fronteiriças, e na luta, descobriam um sentido imediato de vida. Morriam úteis, sem saber se foi a bala ou o tumor. 

Foi só quando Carolina confessou o seu amor, um amor que seria sempre proibido, que ele se lembrou do conselho do caixeiro-viajante e tornou a frase ao avesso: vida é ilusão. E programou seu último número, às ocultas. 

Naquela última noite, o mágico fez tudo às pressas, tão nervoso estava. Alguns números não funcionaram. Outros, arrancaram risadas, outros ainda nem foram aplaudidos. Deixou pra o final, já cansado e com a cartola jogada no canto do palco, o número da cabine. Olhou para a platéia na luz difusa e com um gesto, chamou a filha do dono do estabelecimento. Tudo combinado, ela veio às pressas, enquanto o pai estava ocupado, com urgências de última hora. E quando entrou na cabine, o mágico suspirou aliviado e sem muita cerimônia, para surpresa do público, também entrou, uma maleta nas mãos. Fechou e entrou no abafado mundo do seu talento. Escuro estava. Tateou até encontrar uma mão trêmula e febril. Podia ser Carolina ou a ilusão que lhe convinha, não importa. 

Desaparecer sempre era um bom começo.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Dôra Limeira (Cartum + Conto)

DÔRA LIMEIRA nasceu em João Pessoa no dia 21 de abril do século passado. Graduou-se e especializou-se em História na UFPB. Depois que se aposentou enquanto professora, fez teatro, foi uma das fundadores do Grupo Teatrália. Depois enveredou pela Literatura, tendo publicado seu primeiro livro aos 60 anos, o livro de  contos "Arquitetura de um Abandono". Por causa desse livro, recebeu o prêmio de Revelação Literária 2003, promovido pelo Suplemento Literário Correio das Artes, do jornal A União. Em 2002, participou do Concurso Talentos da Maturidade (promovido pelo Banco Real) com o conto "Não há sinais", concorrendo com 10.338 inscritos em todo o país. Foi incluída entre os vinte melhores concorrentes. Como tal, teve seu conto publicado na antologia "Todas as estações", pela editora Peirópolis. Em 2005 publicou seu segundo livro de contos, o "Preces e Orgasmos dos Desvalidos". Dôra Limeira é uma das fundadoras do Clube do Conto da Paraiba, que já completou sete anos de existência e que já publicou uma antologia "Histórias de sábados". Dôra Limeira publicou mais dois livros de contos, a saber: "O Beijo de Deus" (2007) e "Os gemidos da Rua" (2009). No momento, dispõe de dois livros inéditos, esperando oportunidade para publicação.

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EIS O QUE RESTA DE MIM

Você não sabe de coisa alguma. Fui obrigada a me afastar e nada lhe expliquei. Dobrei a esquina sem adeus nem acenos de até logo. Eu sofria muito. Amaldiçoava tudo quanto eu tinha de mais sagrado, meus anjos, meus santos, meus pais. Mas não derramava uma só lágrima. Ao contrário, eu ria às pampas. Perguntavam-me se eu estava louca. Não, não estou louca, eu respondia. Mas devo confessar que, em meu íntimo, eu desatinava, perdia meu rumo. Disparava num riso histérico, escrachado. Somente eu e Deus sabíamos o quanto me angustiava aquela situação. Deus sabe o quanto eu cortava minha pele até não suportar. Era doloroso. Eu sangrava, gemia, gritava e arrancava minhas vestes. Era tanta a dor que eu chegava a trincar os dentes. Parecia que um tumor maligno estava sendo extirpado de mim, sem anestesia.

Custou-me muito, mas decidi ir embora. Não me pergunte sobre as razões de meu gesto. Não sei, não tenho como lhe responder. Nos primeiros tempos nosso companheirismo foi muito bom, parecia não ter fim. Você se desdobrou em delicadezas, eu me desdobrei em compreensão e paciência. Eu pensei que aquele céu duraria por muitas eternidades. Mas, infelizmente, lamento, não deu. As engrenagens da vida foram mais fortes do que nós. Fomos impotentes perante a rotina, o tédio, o marasmo. E tudo se desgastou, tudo se transformou em sofrimento. Aquilo que parecia amor para sempre se consumiu, se destruiu entre bebedeiras e discussoes à toa.  Com o tempo, você se transformou. Permitiu que as crises tomassem conta de seu corpo e sua alma. Voce mudou o comportamento, pareceu-me ser outra pessoa.

Ao longo dos anos, aos poucos, você se atrasou em seus compromissos comigo. Embriagado, você muitas vezes me beijou e me bateu, depois você chorou. Eu tive muita paciencia. Nao me lembro de quantas vezes coloquei você na cama, limpei vômitos, urinas e fezes no quarto, no corredor da casa,  no banheiro. Mesmo assim, acreditei em cada promessa, cada propósito de mudança. Você sempre me prometeu coisas depois de suas bebedeiras, e sempre acreditei. Eu preparei seu jantar, inventei pratos novos de vez em quando. Mas você sempre chegou tarde para a ceia, a comida esfriava e eu dormia no torpor da depressão. Se você me beijava com bafo de cerveja, eu acordava enojada, impaciente. Você disse muitas vezes eu te amo, mas repuxou meus cabelos e me bateu. Eu nunca tive o direito de comemorar qualquer coisa em casa, seja meu aniversário, aniversário das crianças, Natal ou qualquer outra confraternização. Sabe por que? Eu tive vergonha. Embriagado, voce não respeitou nem a presença de minhas amigas e de meus familiares. Sempre discutiu, disse palavrões, fez gestos obscenos. Em suas crises, você não considerou nossas crianças tão pequenas ainda. Minha mãe me chamou minha filha, volte para a casa de seus pais. Na casa de seus pais, ninguem bate em você, lá você é respeitada e estimada. Mas, naquele tempo, não tive coragem de tomar uma atitude.

E os dias, meses e anos foram se passando. Aquele 12 de dezembro amanheceu, o sol avançou e você não chegou. Levantei-me, fiz o café da manhã e encaminhei as crianças para a escola. Aguei o jardim, pus a ração do cachorro, lavei a louça, fiz uma coisa, fiz outra coisa. E você não chegou. Lavei roupa, esfreguei, enxaguei. O sol se colocou alto no céu, esquentou as visceras de meu juizo, esvaziou meus sentimentos, secou minha vontade de chorar. E você não chegou. Em busca de uma decisão, eu prossegui cortando minha pele, minha carne. Tudo em minha casa fedia, ora era cheiro de cachaça, ora de vômito, ora de fezes. Respirei fundo, inalei todos os maus cheiros do ambiente e resolvi. Fui embora levando meu corpo, minhas coisas, minha pequena vida. Mal dobrei a esquina, já senti saudade das crianças. Engoli no seco e atravessei a rua na faixa de pedestre. Nunca mais tive notícias das coisas de meu passado, as crianças, o marido, meus pais, o guarda roupa que aninhou meus segredos durantes muitos anos. Doeu, doeu muito. Mas hoje eu acredito que valeu. Cabelos grisalhos, hipertensão, diabetes e tosse crônica são as coisas que me restam. E um gato castrado roronando debaixo de minha cama.

(Inspirado no samba “Ex-amor”, de Martinho da Vila)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Leitura de conto

Maria Valéria Rezende lê Um escritor de Geraldo Maciel (Barreto)


SOBRE O AUTOR DO CONTO

GERALDO MACIEL (BARRETO) paraibano, nascido em Nova Palmeira, em 1950. Foi professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba.

Seu primeiro livro de contos Aquelas ciaturas tão estranhas, foi lançado em 1995, pela Editora Rio Fundo, RJ, tendo já uma segunda edição pela Editora Manufatura.

Publicou um segundo livro de contos, Inventário de pequenas paixões, em 2000 e lançou em 2005 seu terceiro livro de contos O Concertista e a Concertina.

Publicou contos em revistas culturais e em Antologias nacionais, a exemplo da Contos Cruéis, pela Geração Editorial e Quartas Histórias, pela Editora Garamond. Seu romance Peccata Mundi ganhou o primeiro lugar no concurso literário cidade do Recife 2008.

Faleceu em 31 de maio de 2009 deixando uma saudade imensa no Clube do Conto da Paraíba, do qual era um dos membros mais atuantes.


SOBRE A LEITORA
MARIA VALÉRIA REZENDE nasceu em Santos SP, em 1942, viveu lá até os 17 anos. Vive há mais de 30 anos na Paraíba, dedicando-se à educação popular. Passou boa parte da infância escavando a praia e o quintal, pra ver se achava o tesouro do pirata Cavendish que frequentava as praias lá de Santos. De vez em quando ainda dá uma cavada no quintal ou na praia... vai que o Cavendish passou incógnito aqui pela Paraíba e enterrou o tesouro no Cabo Branco pra despistar? Por gostar de lendas e levá-las a sério, acabou escrevendo e publicando livros de ficção pra gente de qualquer idade e, principalmente, apegando-se ao Clube do Conto, tribo nômade que vaga há quase sete anos por João Pessoa. Alguns dos seus livros foram finalistas de concursos, mas nunca receberam "o" prêmio, de modo que ainda tem muito que melhorar, se for capaz.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Laudelino Menezes (Cartum + Conto)

LAUDELINO MENEZES é contoclubista, recifense e pessoense, torcedor do Sport e professor de matemática. Vez ou outra faz um conto e pensa em escrever um romance. Já publicou uns quadrinhos na revista Subversos, participou da antologia do Clube do Conto e produziu um zine extinto chamado Histórias pra boi dormir.

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DÚVIDA

Levantou-se, aproveitou o fogo do isqueiro e acendeu um cigarro, fumou perambulando pelo quarto. Lembrou-se do dia em que o marido a traiu. Tudo bem, estavam quites, também o traiu. Mas, sentiu na pele como era ser traída e não gostou, em breve o divorcio chegaria, os advogados estavam preparando os papeis. Terminou o cigarro, não queria queimar outro, pensava em queimar a casa, um ritual de passagem para apagar todos os momentos conjugais. Pegou uma garrafa vazia que estava no chão e, a pé, dirigiu-se ao posto de gasolina mais próximo. - Moço, completa! - Acabou a gasolina do carro, dona? - Não, vou tocar fogo na casa mesmo. - Tem seguro? - Tenho sim. - E se descobrem que o incêndio foi intencional? - Tanto faz, isso é apenas um conto escrito por Laudelino Menezes intitulado Dúvida. - E se não for um conto, for a vida real, como é que fica? Um silêncio interrompeu o diálogo. Pegou os dois litros de gasolina, pagou o frentista e voltou para casa murmurando consigo mesma. - E se o frentista estiver certo e isto não for um conto? Onde irei morar com a casa reduzida a cinzas? Que se dane, vou apenas tocar fogo no colchão. Chegando no quarto, despejou os dois litros de gasolina no colchão, jogou a garrafa no chão e acendeu o isqueiro. De joelhos, na iminência de atear fogo no colchão, viu a imagem do marido no lado oposto da cama com um sorriso estampado no rosto. Fechou os olhos, sacudiu a cabeça e, quando olhou novamente para o lado oposto da cama, nada, foi aí que ficou em dúvida. Levantou-se, aproveitou o fogo do isqueiro e acendeu um cigarro, fumou perambulando pelo quarto. Lembrou-se do dia em que o marido a traiu. Tudo bem, estavam quites, também o traiu. Mas, sentiu na pele como era ser traída e não gostou, em breve o divorcio chegaria, os advogados estavam preparando os papeis. Terminou o cigarro, não queria queimar outro, pensava em queimar a casa, um ritual de passagem para apagar todos os momentos conjugais. Pegou uma garrafa vazia que estava no chão e, a pé, dirigiu-se ao posto de gasolina mais próximo. - Moço, completa! - De novo, dona? - De novo o quê? - Já é a segunda vez que você vem aqui. - Não é não, é a primeira. - Você vai me dizer que vai tocar fogo no casa e que isso é apenas um conto. - Pois é, tava pensando nisso mesmo. - E se não for um conto, for a vida real, como é que fica? Um silêncio interrompeu o diálogo. Pegou os dois litros de gasolina, pagou o frentista e voltou para casa murmurando consigo mesma. - E se o frentista estiver certo e isto não for um conto? E se eu estiver ficando doida, repetindo meus atos inumeras vezes sem perceber? Que se dane, vou apenas tocar fogo no colchão. Chegando no quarto, despejou os dois litros de gasolina no colchão, jogou a garrafa no chão, acendeu o isqueiro. De joelhos, na iminência de atear fogo no colchão, viu a imagem do marido no lado oposto da cama com um sorriso estampado no rosto. Fechou os olhos, sacudiu a cabeça e, quando olhou novamente para o lado oposto da cama, nada, foi aí que ficou pensativa.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Fotos do Clube - reunião do dia 6/8/2011

A reunião de sábado passado foi assim, confiram. Fotos por Betomenezes.

Norma, Andreia, F. P. Andrade, Joana e Eli.

Luciana e Regina Behar.

Joedson, André, Oziella e Norma.

Detalhe de um conto.

F. P. Andrade, Joana, Eli e Betomenezes.

Alcebíades.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Joana Belarmino (Cartum + Conto)

JOANA BELARMINO é paraibana, jornalista, professora do curso de comunicação da UFPB e doutora em comunicação e Semiótica. Membro ativo do clube do conto, já publicou livros de literatura infantojuvenil: "O Patinho Criança" (1979); "Dartanham, Um Gato com gosto de Pinto" (Editora Moderna, 1983-1988); "Era Uma Vez uma Vírgula" (Editora Idéia, 1997). Mantém o blog barrados no braille, no endereço www.joanabelarmino.zip.net.

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ASSALTO A MÃO ARMADA

Eu nunca havia experimentado essa sensação, de ter uma arma pressionando minha testa. Como se esse aperto surrupiasse de mim um monte de lembranças, e me apetrechasse com uma única pergunta: Aonde começa a vida? Pisei no seu pé? Desculpe. Antes de tudo, até a gente chegar lá, deixe eu lhe contar a história de onde começou minha vida. Não. Não foi propriamente minha vida que começou ali, mas, ali começou uma rota provável que gerou todos os acontecimentos que culminaram com ela. Você sabe, agora que penso nisso, me dou conta de que faz muito tempo  que esse pensamento anda agarrado comigo, como um alicate, como  o cano dessa arma, agora firmado na minha testa. Minha vida começou com um ato de violência. Isso, afrouxe um pouco, não vou fugir. Como eu dizia, minha vida começou com um ato de violência. Meu pai tinha doze anos quando sua madrasta o açoitou, violentamente, só porque ele tinha ido na dispensa pegar um pedaço de rapadura. O pai dele? Fez o que todo pai faz. Apoiou a madrasta. Meu pai então fugiu de casa, com aquele desgosto açucarado pingando dos dentes da alma. Fugiu de casa, trabalhou, foi à feira de quarta-feira e um dia viu minha mãe. Arma no coldre, meu pai decidiu que era tempo de casar, ter uma dispensa onde pudesse guardar sua rapadura. Apertado aqui, não? A senha? Juntei a minha idade e a do meu marido, somos da mesma idade. Depois as idades dos meninos. Não, digitou errado. A do menino mais novo vem primeiro. Eu sei, um pequeno embuste tolo. Minha vida acaba como começou, mas pelo menos você tem agora uma história em que pensar, além do meu saldo. O grande mistério é não haver mistério. Tudo o que começa, sempre acaba. Isso, desça um pouco mais para perto dos olhos, Ai!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Fotos do Clube - reunião do dia 30/07/2011

Estiveram presentes nessa reunião 11 contoclubistas. Fotos por Wander, Laudelino e Romarta.

Betomenezes, Norma, Alex e Wander
 
F. P. Andrade, Laudelino e Eli.
 
Escondendo-se atrás de contos.

Alcebíades, Romarta e Andreia

Andreia, F. P. Andrade e André Dias

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Alfredo Albuquerque (Cartum + Conto)

ALFREDO ALBUQUERQUE é mineiro de Belo Horizonte. Designer Gráfico por profissão. Músico, compositor e escritor por diversão. Tem dois livros editados, Os círculos (prêmio Xerox/Revista Livro Aberto - 2001) e O quarto das horas, além de contos publicados em periódicos e sites literários. Reside em João Pessoa.

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XXCIV - Da relação dos verboputos com os coroalhos

1 - Se for constatada a tentativa de se comprar votos de fantochistes, por um candidato a bucelonte, com perdulites ou plistos, este deverá ter as caringolas quebradas para serem usadas em pendentes usados pelos fantochistes que aceitarem o suborno.

2 - Se um bucelonte em exercício se apropriar indevidamente de coroalhos obtidos de recursos públicos, deverá ter o imperígeo extirpado e posto a secar ao sol para alimentar os herobontes.

3 - Se um sepultáceo foi flagrado recebendo coroalhos oriundos de corrupção deverá ter as manipuletas arrancadas.

4 - Se tais coroalhos forem encontrados escondidos dentro das meriolas do sepultáceo, este deverá ter também o pisoteiro direito cortado.

5 - Se os coroalhos forem encontrados dentro da culatrina do sepultáceo, este deverá ter o pístil arrancado e introduzido em seu próprio retrocúlito após ser empedrestido com lâminas de aço.

6 - Se qualquer categoria de verboputo, seja bucelonte, sepultáceo, preposulcro, canivante ou bisco, utilizar coroalhos públicos para financiar festas particulares, deverá ter o corpo cortatuado com o nome de todos os convidados.

7 - Se coroalhos públicos forem usados para a compra de celumóveis, deverá ser o verboputo colocado deitado numa carapilha plana e pisoteirado por cinquenta hipotofantes até que de seu corpo não se reconheça nenhuma forma.

8 - Se um verboputo tentar obter vantagens pessoais utilizando-se de seu cargo, se lhe deverá amarrar a píngula ao pístil com um fio de aço de se pescar cabralhões.

9 - Se um bisco acumular capistrofes de caringolas oriundos de apropriação indevida e se justificar dizendo que ganhou na caloteria, se lhe deverá enfiar as capistrofes pela gorguela abaixo até que as caringolas comecem a sair pelo retrocúlito.

10 - Se for comprovada a ligação de verboputos com o tráfico de asparogas, estas deverão lhe ser introduzidas pela gorguela, até que não entrem mais, e então deverão ser queimadas juntas, as asparogas e o verboputo, em praça pública, até que todo o lixo esteja incinerado.

João Pessoa, 6 de março de 2010