terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Contar o Clube


Confraternização do Clube do Conto - 2011

Um, dois, três contistas... e vão chegando, e o número aumenta. Na lógica estranha, como numa espécie de bolsa de valores, o gráfico tem seus altos e baixos. O Clube do Conto tem uma marca conquistada que, por força desta arte, subiu e em um imaginário ponto ou parede, deixou uma placa com a inscrição “seja bem-vindo” em letras garrafais. E deu certo. Uma espiada básica em sua história mostra esta tendência de acolher o peregrino com histórias – e muita camaradagem. Com mais um olhar apurado, nossas queridas figuras, eternos amigos, acima dos parágrafos da vida, deixam o tom geral de nossas reuniões. O Clube é um conceito sem definição, com existência quase autônoma e com uma tendência para seguir em frente nas maiores dificuldades. Nas melhores também, porque sempre se tira uma lição. As histórias nos contarão. As histórias, feitas de improviso, em chave de oficina, tocam-se como os jazzistas que em jam sessions, descobrem este ou aquele improviso, estendem notas, criam atalhos. E sabem dar um som legal.

Com o tempo, conquistamos respeito. Bem ou mal, com revistas que cabem no bolso, com atas que exploram a diversidade de estilos, com uma antologia, com apresentações, lançamentos e o orgulho de estar sempre citado aqui e lá fora. Uma idéia que vingou e singrou por sete anos em sete mares, sete ressacas, sete marés. O Clube tem a marca da importância da leitura, do quanto somos bobos ou sérios e vivos e filhos pródigos. Colecionou mais tranquilidade do que vaidades bobas. Mostrou ser possível não perder a linha, não perder a liga, não perder o humor. Como uma boneca russa, onde se abre uma tampa aparece outra e mais outra. Mesmo não parecendo dar em nada, mesmo em momentos que, no nomadismo, finja perecer, o Clube é o exemplo de que contar uma boa história pode ser um programão de índio, cowboy, bandido, mocinha. 

As histórias, contos, relatos, depoimentos, atas nos fizeram melhores. Fomos resgatados das torres individuais para a clareira coletiva onde tudo pode acontecer, mas acontece em função de algo vivo, um universo que sempre é móvel e intercambiável, um pântano seco para exploradores, uma plataforma, um jardim babilônico com camadas, um oásis com ralo. Fizemos nossa história tão menos preocupados em legislação – que nunca houve – e em hierarquia que, maravilha, fomos a honrosa exceção e a notícia mais discreta fora dos salões municipais. Um grupo coeso porque não se sentiu forrado de etiquetas nem enfardados em sarau constante. Um grupo mais cozinha mineira do que hall de entrada de edifício chique. Um grupo que hoje, sete anos e mais alguma coisa, tem também lá suas vidas de gato.  Puxamos as histórias para perto da fogueira. E nos aquecemos com elas, mesmo em noites não tão frias de sábado.

Contos com temas, votações ao léu, conversas paralelas, narrações perfeitas e outras aos pulos, mas sempre com o espírito da amizade, e com uma paisagem diferente a cada reunião: tímidos com extravagantes, apressados com zen-contistas, fantasmas com exorcistas, calejados com os mãos-delicadas, aprendizes e mestres. Subimos escadas, adentramos recintos, sentamos no batente, ficamos em pé, bebericamos, conversamos, invadimos a praia, deixamos pegadas. O Clube é como uma boa história nem muito linear, nem muito experimental. É tal e qual do tamanho de uma folha: nosso papel é de desembrulhar sempre o pão nosso de cada prosa e fazê-la dela vida como se vida fosse. E vida assim é bem melhor. Nasce sempre uma história a cada momento. Como este.

André Ricardo Aguiar

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O julgamento atado

Ata referente ao dia 3 de dezembro de 2011.

18h45, Shopping Sul, Bancários, João Pessoa, Paraíba, Brasil, reunião do Clube do Conto. Os(as) contoclubistas vão chegando um(a) a um(a). Observo que não trazem contos, que não buscam cadeiras. Ou tenho informações erradas em meu banco de dados, ou estes aí são impostores! Aproximar para averiguar. Positivo! São contoclubistas sim, conseguiram tinta e papel, planejam fazer uma ata!

Vou gravar a conversa deles.

[André Ricardo Aguiar / Alto, bastante alto]

"Uma ata histórica pode ser feita sem histórias. Ou, como diria o aficcionado por estatísticas, houve mais papo por metro quadrado do que histórias por metro redondo. Integraram a fatídica data: Maria Romarta, André Aguiar, Laudelino Menezes, Carlo Cartaxo e Sergio Janma."

[Carlos Cartaxo / Sem Chapéu]

"Momento marcante porque sequer houve cadeira para sentar, muito menos conto para contar (ou ler)."

[Laudelino Menezes / Carnívoro]

"Entrou pela perna de pinto, saiu pela perna do pato, quem quiser que conte quatro!"

[Maria Romarta / Habilidade especial: atender o celular ao primeiro toque]

"Estranho!"

[Sérgio Janma / Não tem medo de agulha]

"Tem um filme antigo intitulado Matou a família e foi ao cinema, em tempos atuais o filme se chamaria Doou sangue e foi ao Clube do Conto, estrelando Sérgio Janma."

[Laudelino Menezes. Carnívoro.]

"Perdeu-se a caneta, a qual foi recuperada por um bom samaritano!"

[André Ricardo Aguiar / Alto, bastante alto]

"Tô com fome! Eu quero açaí na tigela!"

[Autor de frase não identificado]

"Como o tema 'vinho', deu azar... Que tal se o tema da próxima semana for 'cachaça'? Sim? Tudo certo, é cachaça."

Estão indo embora! Também vou. Eles são bonzinhos!

Hasta la vista, Baby!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Norma Alves - Sessão de Contos (13)

A Sessão de Contos é um "programa" do nosso blog que exibe para todos os internautas um dos contos lidos nas reuniões de sábado do Clube.

Nesta semana, exibiremos um conto inédito 
de Norma Alves. Boa leitura!

* * *

VAMPIRO  EM  CRISE

Que desespero! Sair do túmulo gemendo, procurando sangue e nada. 

Cadê os dentes? Será que existe dentadura pra  vampiro? Como ser respeitado sendo banguelo! O jeito é incomodar com uivos, assim todos ficariam acordados . É isso aí. Antes do sangue dos defuntos virar goiabada, o povo começou a drená-lo.  Eram tantas mamadeiras nas madrugadas! Mas a coisa começou a ficar feia. Não estava  dando pra matar a  sede. Notei os olhares dos vivos, preocupados.  As mulheres menstruadas corriam como o diabo da cruz; os homens em crise de hemorroidas sentavam-se, na tentativa de enganar o olfato.

Ei, você aí! Tá rindo de quê?   Tá pensando que é mentira minha? Tomara que você caia de uma janela de dois metros de altura e ainda morra em pé!  Vampiro brasileiro, banguelo sem plano de saúde e de morte. Blah!

Conto inspirado no personagem Bento Carneiro de Chico Anysio.

domingo, 20 de novembro de 2011

Atinha de vinho

Ata referente ao dia 19 de novembro de 2011.

A nossa reunião se resumiu a três pessoas, cinco cadeiras, dois contos, alguns telefonemas e umas conversas. O conto de Norma vinho, o de Romarta veio e o de Laudelino vinha, mas não chegou. Ainda houve tempo pra discutirmos um cadinho sobre publicações literárias e, no meio dessas elucubrações, esquecemos de definir o tema da semana que vem, sendo assim, fica mantido o mesmo: vinho.

Lembrando a todos que excepcionalmente no próximo sábado, 25/11/2011, o Clube se reunirá na Usina Cultural Energisa, a partir das 17h, para prestigiar o lançamento do livro do contoclubista Betomenezes e ler alguns contos.

Laudelino Menezes

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

ATA EM UM ATO

Ata referente ao dia 12 de novembro de 2011.

Pequena esplanada. Noite. Vento nem gelado, nem frio, nem quente. Algumas cadeiras, nenhuma mesa. Entra e sai um guarda. Um olhar de desconfiança fica. Então, pelo lado esquerdo, chegam o Sr. Wander, o Sr. Beto, o Sr André.

Sr. Wander – Eu queria corrigir, se me permitem...
Sr. André – Não, não permitimos.
Sr. Beto – Não começamos a ler nada ainda.
Sr. Wander – Desconfio que seu tom de censura já mereça uma correção...

Há um profundo som em surdina. Músicos, ao longe, pensam em ocupar o vazio com música.

Duas horas se passam. Chegada do Sr. Sérgio, da Srta Jéssica, da Sra Norma.
Sra Norma – Ele não desiste.
Sr Sérgio – Quem?
Sra Norma – O meu conto, está fazendo cócegas na minha mão.
Srta  Jéssica – É contagioso?

Estrondos vindo da praça da alimentação. Sinal dos tempos. Tocam Raul.

Sr Beto – Faltar-me-á a sensação insana de que a qualquer momento, seremos menos que 1.
Sr. Wander – Não me agrada esta mesóclise pouco antes da leitura do meu conto. Me desconcentra.
Sr. André – Posso folhear a Veja enquanto isso?

A esplanada vai abaixo. Houve um atentado a bomba impedindo a continuação da maçonaria contística. Evidentemente, que para efeito de ata, foram retirados dos escombros dos contos os seguintes autores: Sérgio, Jéssica, Norma, André, Beto e Wander. Perda irrecuperável no mundo do conto. Há previsão de necrológio seguido de antologia. E brindarão ao tema escolhido pouco antes da bomba: Vinho.

André Ricardo Aguiar

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Dôra Limeira - Sessão de Contos (12)


A Sessão de Contos é um "programa" do nosso blog que exibe para todos os internautas um dos contos lidos nas reuniões de sábado do Clube.

Nesta semana, um conto de Dôra Limeira. Boa leitura!


* * *

EU QUERO COMER BRIGADEIRO

Preto, traje roto, sandálias de dedo, ele morava num aglomerado habitacional de taipa, na periferia. Era menino ainda, mas suspeitaram que fosse bandido. Seu corpo amiúde fazia mogangas sobre um monte de barro, no arruado onde morava, equilibrando-se com agilidade. Brincava de ser cristo redentor, braços esticados, mãos estendidas sobre um corcovado de brasilites e isopores rasgados. Vadiava sob os aplausos da meninada e dos adultos desocupados. De tanto repetir a brincadeira, ganhou um apelido: “Cristo Redentor”, Cristim na intimidade. Era franzino, comprido e não tinha medo de nada. Nos horários da escola, ora estendia seus braços em cruz sobre o arruado, ora se postava junto aos semáforos. Fazia malabarismos e virava cambalhotas diante dos carros parados no sinal vermelho. Comia fogo, canivetes, tesouras. Assim, ganhava uns trocados e entregava, em casa, à sua mãe que também tinha apelido – Dona Maria de Cristim. Um dia, final de tarde, parou junto à vitrine de uma lanchonete. Foi quando suspeitaram que fosse bandido. Imóvel, avistou os doces e brigadeiros, bolos confeitados, empadas e pastéis. As glândulas salivaram. Com a fome nos olhos e a boca babando, Cristim apalpou os bolsos rasos da bermuda. Ouviu o tilintar das moedas que arrecadara comendo tesouras no último semáforo. Retirou as moedas do bolso e pensou eu quero comer brigadeiro. Mas não houve tempo. Um jato de sangue jorrou-lhe das entranhas e as moedas tilintaram no chão. Rolaram ladeira abaixo, alegres. Para Cristim, já não valiam nada. Seu corpo deu entrada no IML, sem sinais especiais que o identificassem, sem dono. Serviu de exemplo nos noticiários de televisão. O rosto morto foi capa de revista policial. Tarjas pretas cobriram-lhe os olhos desbotados, envergonhados. Cristo Redentor era menor de idade, um menino ainda, mas pensaram que fosse bandido. Em casa, sua mãe esperou a noite inteira. Volta para casa, Cristim, pensava. E chorava feito uma pietá. Dona Maria não sabia que, rígido e frio, Cristo jazia numa gaveta de frigorífico, sem túnica. 

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Fotos do Clube + mini Ata - 05/11/2011

No dia 5 de novembro de 2011, estiveram presentes: Maria Valéria¹, Wander, Maria Romarta¹, Thiago¹, Jéssica Mouzinho², Laudelino, Norma², Cartaxo¹, Sérgio¹, Vivi Rezende, André Ricardo Aguiar. Foram lidos contos nos temas: EX, casamento e sem tema.

¹ significa que levou um conto.
² quer dizer que levou dois contos.

Fotos da última reunião. Descrição da esquerda pra direita.

Thiago, Norma, Cartaxo.

Wander, Jéssica, Vivi, Valéria.

Valéria, Sérgio, Romarta, Thiago, Norma.

Valéria, André, Laudelino.

Fim da reunião.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Jéssica Mouzinho - Sessão de Contos (11)



A Sessão de Contos é um "programa" do nosso blog que exibe para todos os internautas um dos contos lidos nas reuniões de sábado do Clube.

Nesta semana, exibiremos mais um conto inédito de Jéssica Mouzinho. Boa leitura!

* * *


O CAFÉ

Era um pecado. Um pecado que só poderia ser

perdoado se houvesse uma grande desculpa. E

essa desculpa se chamava Café.

“Vamos tomar um café?”

O cenário do pecado era o verão de 40° do Rio

de Janeiro. Ela de short curto e ele de camisa regata

e chinelo. Chegando lá, o café estava em tulipas

e com muita cevada. Depois de todo o efeito da

cafeína apropriada, o pecado aconteceu.

Depois desse dia, eles ficaram descarados... E a

pergunta era:

“Vamos tomar uma cervejinha?”

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ata em fluxo de consciência

Ata referente ao dia 22 de outubro de 2011.


pariu eu num sei fazer ata vou passar tempo todo o maior tempo do mundo pensando como vou fazer ata puta que pariu vai ficar feia mas vou tentar como é que eu começo deixa eu pensar tipo assim a gente chegou e a reunião teve uma presença massa show de bola do grande escritor Alfredo monte um monte de gente só chegou bem depois cadê valéria pra gente começar sumiu Alfredo se perdeu atrás de uma camisa do Corinthians meu deu do céu como alguém vem atrás do coringão sabendo que na Paraíba só dá mengo mas deixa isso pra lá o importante era contar e pouca gente trouxe conto no tema eu trouxe um falando das piscianas também betomenezes trouxe conto e mostrou a capa do novo livro que tá pra sair e ai de você se num comprar mas o conto dele era massa sobre signo também e rendeu um debate massa com Valéria que nem o meu conto o da pisciana não esse conto que tô falando já outro de projeto novo de litfan e a gente também debateu um lado do grupo já tava até cansado acho que pensando meu deus do céu num quero fazer ata não quem vai fazer tava lá um monte de gente tava o gladstone campos nunca tinha visto ele no grupo tava Laudelino que já abusei de ver também tava jéssica mouzinho tava vivi e puta que pariu quase ia esquecendo norma também trouxe conto e num sabia se o conto um dos dois que ela trouxe era conto crônica ou prosa poética e a gente achou que era os três então tava beleza chegou mais atrasado o grande carlos cartaxo só num chegou mais atrasado que o andré aguiar que num guiou tava sendo guiado porque veio de ônibus e ônibus demora que só pra chegar mas ele chegou e propôs o tema vencedor para a próxima semana a gente vai escrever contos sobre ex pode ser ex qualquer coisa enquanto num chega inspiração vou pensando na ata eu num sei fazer ata como é que faz puta que

Wander Shirukaya


Créditos da imagem: http://images.yourdictionary.com/images/science/ASbrain.jpg

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A evasão contada e escrita


Ata referente ao dia 15 de outubro de 2011.

Uma pessoa apenas.
Duas depois.
Logo outra pra fazerem três.
Mais uma, e mais duas que somam seis.
Mas sem cadeiras, o que fazer?
“Hoje não guardaram pra vocês”, foi o que falou o segurança para nossa comoção.
Entre uma longa espera para André tomar café e terminar a conversa com alguém que ia passando, chegaram as cadeiras juntamente com um aviso: “essas não são as de vocês”, mas enfim, usamos as seis.
E quem trouxe conto do tema? Apenas nenhum de nós e ninguém.
Então, passamos adiante com quem trouxe outro conto e quis ler também.
A Norma iniciou com um moço “bebinho” e uma grande confusão na conversação. Só sei que o moço do começo, ganhou um carro de lição.
E logo seguiu Sérgio, ao ler seus contos instigantes: um falava do pai o outro de um personagem com pensamentos flutuantes.
E a Marla transformou o anterior tema vampiro, em bons ares de suspiro.
Fico por aqui então, deixando uma final informação: muita gente que esteve
neste encontro não vai ao próximo não.

Mayara Almeida

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Alfredo Albuquerque - Sessão de Contos (10)


A Sessão de Contos é um "programa" do nosso blog que exibe para todos os internautas um dos contos lidos nas reuniões de sábado do Clube.

Nesta semana, exibiremos um conto inédito, porém relativamente antigo
, de Alfredo Albuquerque. Boa leitura!

* * *

PROTETOR LUNAR

Após tomar o prato de sopa, Clarissa foi ao banheiro, escovou os dentes e passou o protetor lunar. Saiu de casa com a lua cheia já se destacando entre os edifícios, embarcou num ônibus rumo à orla e chegou à praia que, como era de se esperar, estava lotada. Desconfortável com a cadeira dobrável e o guarda-lua, tratou de encontrar logo um espaço de areia onde pudesse esticar-se, próxima aos fiscais do zoocontrole que, numa noite como aquela, eram muitos. Caminhando pelo labirinto de toalhas de praia, sua pele incrivelmente branca e sem pelos atraiu olhares de inveja e aprovação, que ela, por timidez, tentou ignorar, até, enfim, encontrar um lugar para ficar. Esticou sua toalha na areia, botou os óculos de lentes amarelas e abriu o romance.

Leu por mais de uma hora, até começar a ficar incomodada com a leve coceira na pele, sinal de que o protetor lunar estava começando a perder seu efeito. Guardou o livro na sacola de nylon, se levantou e olhou para a água. Centenas de pessoas ocupavam a faixa mais próxima à areia, brincando com as ondas que se desfaziam ruidosamente. Mais à frente, após a arrebentação, encontrou o mar negro, denso, refletindo a luz da lua através de cintilações aleatórias que davam-lhe o aspecto de uma infinita pedra preciosa. E o confortável vazio. A ausência completa de gente. O enorme espaço aconchegante onde poderia ficar só, consigo mesma, envolvida pelo frio abraço da água que a preenchia e acalmava. Buscou com os olhos alguém que inspirasse confiança, talvez uma família convencional ou uma pessoa de idade, encontrou a família, e pediu que vigiassem suas coisas enquanto ia dar um mergulho.

Nadou mais de cem metros, afastando-se da praia, e deixou-se ficar por um tempo indeterminado suspensa na água, com o rosto voltado para o céu, tentando identificar constelações. Quando se cansou, nadou ainda um pouco mais e voltou à praia, preocupada com sua própria demora e a possibilidade de ter suas coisas abandonadas caso a família houvesse decidido ir embora. Ao se aproximar da areia percebeu uma aglomeração alguns metros à sua frente. Saiu da água, localizou seus pertences, agradeceu à senhora a gentileza e perguntou o motivo do rebuliço, enquanto espalhava no próprio corpo mais uma camada de protetor. Como imaginava, eram os fiscais do zoocontrole agindo. Consultou as horas no relógio guardado na bolsa e constatou que já eram mais de 23h.

Sem demonstrar curiosidade com o alvo dos fiscais, chamou um vendedor de chá branco gelado, comprou um pacote de biscoitos São Jorge e amenizou a fome, que já começava a se manifestar com a aproximação da meia noite. Por volta de 23h30, começaram a se intensificar as ações dos fiscais. Sentindo-se já íntima da senhora ao lado, puxou conversa, comentando que não entendia como algumas pessoas, apesar de todas as advertências, ainda se comportavam daquela maneira, recusando-se a se proteger. A senhora concordou e acrescentou que ela mesma, em sua família, já tinha vivido o drama decorrente do descuido com a luz da lua. Em uma noite como aquela, há três anos, havia perdido um de seus filhos, abatido pelos fiscais que agiram rapidamente assim que ouviram os primeiros uivos emitidos pelo garoto e constatarm o crescimento acelerado de pelos. Foi só a partir daí que ela conscientizou-se da importância das advertências do Governo e decidiu se livrar do preconceito contra o protetor, apesar de seus efeitos colaterais. Concordaram que seria melhor viver sem os tais efeitos. A senhora pediu licença para se juntar novamente ao marido e aos filhos que já demonstravam vontade de ir embora, e se despediram. Clarissa voltou para sua toalha, verificou no celular que havia uma chamada não atendida, leu mais um pouco, e fechou os olhos para cochilar debaixo do guarda lua.

À meia noite as transformações chegaram a seu auge. Em toda parte viam-se fiscais perseguindo animais amedrontados e enfurecidos que, em seu caminho de fuga desesperada deixavam um rastro de corpos agonizantes pisoteados, braços arrancados e cabeças decepadas. Acordada pelo barulho, Clarissa esboçou um começo de mau humor, mas se conformou ao refletir que aquele, afinal, era o preço que se pagava por escolher frequentar a praia naquele horário e, especificamente, numa noite de lua cheia. Aproveitou a vigília, leu por mais uma hora, depois foi à água, deu um mergulho rápido, juntou suas coisas e pegou o celular para retornar a ligação. Eduardo atendeu de imediato. Conversaram muito, rindo das circunstâncias que fizeram com que se conhecessem no dia anterior, embriagados, na pista de dança da boate lotada às três da tarde. Marcaram uma ceia para as duas e meia da madrugada e Clarissa, para deixar tudo claro desde o início, fez questão de ressaltar que já fazia uso constante do protetor lunar há cinco anos e, portanto, já não havia mais nenhum vestígio de desejo sexual em seu corpo. Eduardo riu alto ao telefone e disse que havia sido um dos pioneiros no uso do protetor e que, por isso, ela não devia se preocupar com atitudes desagradáveis por parte dele.

Ao desligar o celular, sorrindo da própria mentira, Eduardo foi ao banheiro, raspou os fios que haviam nascido desde a meia noite e repassou em sua mente os planos para o final de sua madrugada, com Clarissa a seu lado, debaixo da lua cheia.

João Pessoa, 7 de novembro, 2009

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Fotos do Clube - reunião do dia 8/10/2011

Fotos do dia 8 de outubro de 2011, confiram a movimentação da reunião.

Contistas se reunindo...

Dando início à reunião.

Sérgio, Alcebíades e Norma.

Jéssica, Wander e Betomenezes.

André Aguiar, Alfredo, Laudelino e Sérgio.

Wander, Betomenezes, Cartaxo e André.

Fim da reunião, hora de guardar as cadeiras.



sábado, 8 de outubro de 2011

Entrevista com Betomenezes

O contoclubista Betomenezes concedeu uma entrevista ao programa diversidade lá de Campina Grande, confiram.


quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Regina Behar (Cartum + Conto)

REGINA BEHAR nasceu em João Pessoa, gosta de arte em geral e literatura e cinema em particular. Se considera amadora em ambas as artes no dúbio sentido da palavra. Ensina história como profissão da qual gosta e lhe permite pagar contas, mas experimenta as artes por pura necessidade vital e deseja, do fundo da alma, um dia viver fazendo só isso, além de, obviamente,  amar as pessoas que ama. Integra o Clube do Conto desde não sei quando, mas tem certeza de que Dorinha, Ronaldo ou Valéria podem atestar que ela é da velha guarda.

* * *


O SEGREDO DE JULIA

Mauro e Julia viviam uma vida pacata de cidade do interior, numa casa com quintal grande, um cachorro, dois gatos e três crianças, duas meninas e um menino.  Mauro era proprietário da Mercearia Fontes,  e Julia dava um expediente de quatro horas na Prefeitura de Tocáia, um lugar perdido no mapa mundi.

Mas, por trás da aparente tranqüilidade da vida comum, sem sobressaltos e sem grandes projetos, um mal estar  crescia entre eles, e tudo por causa do  segredo de Julia.  Era segredo porque ninguém sabia, só ela,  e Julia se recusava sistematicamente a contá-lo. Dizia-lhe que não havia segredo algum.

Mas ele, Mauro, tinha absoluta certeza desse segredo que lampejava nos olhos dela e, vez por outra, parecia transparecer em seu rosto, sem que pudesse decifrá-lo. Aliás, Julia sempre fora enigmática, silenciosa, embora nunca tenha sido tímida. E disso Mauro lembrava muito bem... Essa  mulher esconde um segredo, pensava e remoia.

E remoeu durante anos, enquanto se arrastava o tempo, e os filhos cresciam, e as árvores repetiam seus ciclos frutosos, e os gatos davam cria. E remoeu isso de dia, na Mercearia, enquanto atendia os clientes, e remoeu também de noite, no silêncio do quarto, quando iam dormir.  

Vez por outra, insistia na velha pergunta: Quando você vai me contar? E ela apenas sorria e repetia que não tinha o que contar. E se for outro homem? Pensou durante certo tempo. Seguiu Julia durante dias, e nada. Pode ser alguém da Repartição, pensou.  Obcecado pela idéia,  pagou o auxiliar de limpeza para ficar de olho nela durante meses... e nada! 

Um dia, quando os filhos estavam a meio caminho da adolescência, Julia adoeceu repentinamente. Mauro pareceu esquecer o segredo e se concentrou em manter Julia viva. Levou-a para a capital. Consultou  especialistas e mais especialistas.  O  diagnóstico era sempre o mesmo:  A tal doença no coração era degenerativa e Julia teria apenas alguns meses de vida.

Sem mais o que fazer, a não ser os procedimentos paliativos, Mauro voltou a pensar no segredo de Julia; esse que continuava a borbulhar nos olhos seus olhos, agora mais silenciosos, concentrados sabe-se lá em  que! Então começou a ficar desesperado diante da possibilidade de que ela partisse sem falar a respeito. Afinal, “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”, incluí  a lealdade, a verdade, a entrega dos segredos, apelava Mauro.

Nos últimos dias de vida de Júlia, Mauro tornou-se cruel e praticamente não falava com ela, magoado. Abriu suas caixas, leu papeis amarelados, vasculhou todas as gavetas, e bolsos de roupas antigas e guardadas.  Os parentes foram  submetidos a interrogatórios sobre sua vida pregressa,   numa tentativa desesperada por qualquer  pista que revelasse a secreta coisa  se escondia por trás dos olhos negros de Julia.

Ela enfrentou o marido e a doença, impassível! Sempre reafirmou que não havia segredo, pois apenas vivia e apenas via; e conforme o dia, era feliz ou infeliz, alegre ou triste. A vida era a vida e a morte seria a morte, nada havia para temer. Nada jamais temera.  E era só. Sabia que o sol nasceria de manhã e se poria à tarde e que a mangueira daria frutos em janeiro. Tudo muito simples! Dizia a Mauro que sossegasse, que deixasse de histórias, e isso era a única verdade, conforme Julia.

Julia  morreu um dia depois dessa conversa com Mauro, sentada na cadeira de balanço, embaixo da frondosa mangueira  no quintal de casa, num fim de tarde, um pouco antes da safra das mangas. Mauro jamais acreditou que não havia um segredo. Dois anos depois casou novamente. A nova mulher, dona  da lanchonete em frente à Mercearia  Fontes,  falava muito!  Brigavam quase todo dia, a propósito de quase tudo.  Mauro sentia-se levemente confortável. Essa mulher, diferente de Júlia, não tinha aquele jeito misterioso, nenhuma  luz estranha  nos olhos,  nem escondia  segredo algum. 

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Ate se puder


Ata referente ao dia um de outubro de 2011.

Você vai rir, mas isto não é uma ata. É só uma maneira nada deslumbrada de defender que não canso de desmentí-las e de que nunca quis fazer atas, e que estes nós com que amarro uma prosa não ajuda muito a falácia de que os encontros do Clube também não são encontros, mas vai-e-vém de eletrons ou polens ou qualquer coisa - cambiante análise combinatória em que pessoas se comportam como se não estivessem. Mas estão. Ao menos a parte física e a sensação de que há shopping ao redor delas, existe.

Não vou conseguir provar a existência do contista e romancista Betomenezes e seu fôlego pantagruélico por estender imagens como quem estende tapetes, nem vou provar que Eli também o segue nas narrações líricas. É possivel estabelecer uma teoria do barulho, uma dinâmica da escada, uma hermenêutica das praças de alimentação, mas ainda é difícil entender porque não quebramos o pau logo nos primeiros poltergeists do ego, porque somos nerds do conto, porque verossimilhança e vontade de tomar café não se confundem. Não nos conservamos em silêncio, há gritaria e murmúrio, e quando menos esperamos, mais uma resminha de contos pairam em nossas mãos. Aqui registro que um conto da Romarta soluçou, que os parágrafos de Sérgio escalaram degraus de sentido, que F. P pediu S.O.S a Andersen, que Wander contabilizou pancadinhas no teclado, que Jéssica desnudou a Musa e Norma amplificou a página aos letrões.

Nada a dever ficaram Vivi, Cartaxo, Luciana e Dália. O desconhecido é quase nossa última tradição, já dizia o Lezama. Não vejo motivos, é verdade, para rir, mas insisto em afirmar, com todos os gerúndios que eu estiver conseguindo fazer, que há muito tempo decidi que atas são nocivas, que nunca se devem pegar trens em movimentos, que corujas quando morrem são silenciosas. Também o Clube, sede da inexistência, fica bem localizado se não for onde está – é a grita constante dos seus membros. E mais digo: não aceitamos comércio de contos, todos são dados como benesses ou oferendas por uma seita clandestina onde os integrantes vociveram por aí que contar é a melhor maneira de mentir sem fingimento. Fica portanto, por último, que não vamos escrever sobre polens, que temos filiais em Calcutá e Reikijavik e que aceitamos zumbis como contistas. Tenho não dito.

André Ricardo Aguiar

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Atarantado pela ata


Reunião do Clube do Conto da Paraíba, realizada na data de 24 de setembro de 2011. Na noite sem vento e sem chuva, nem calor, nem frio e com a lua escondida no Japão, após as 18 horas, no hall do 1º andar do Shopping Sul.

Estavam presentes, com o firme propósito de fazerem suas defesas do tema “Doença”, os contistas e observadores: Jéssica Mouzinho, que a tudo percebe sem nada lhe escapar do tempo e do espaço. Wander Shirukaya, revisor implacável sempre de plantão. Alcebíades V. Silva, observador dos nossos melhores ângulos fotogênicos para a prosperidade. F. P. Andrade, que nos ofertou com dois contos sobre o tema, “Sonho de um câncer”, surreal e funesto, e “A cicatriz de Bel”, no qual nos revela personagens densos, tal qual o narrador de sexualidade variada, beirando as fronteiras dos sentidos do corpo e da alma. Maria Romarta, com muita sutileza e sensibilidade, retrata e traduz em seu conto “Olhar em preto e branco” o verdadeiro amor canino pelo homem, quando este sofre com uma eparação. Norma Alves trouxe-nos “Competição”, o qual me levou à lembrança do filme Tudo o Que Você Queria Saber Sobre Sexo e Tinha Medo de Perguntar, de Woody Allen, tomando por gente quem ainda é apenas esperma. Bonifácio Segundo e Anna Virginia fizeram importantes observações quanto às correções ortográficas, gramaticais e coerência de nossos textos, poupando o trabalho dos revisores que vivem da função por profissão. Roberto Menezes da Silva (Betomenezes), com o seu “A Beleza da Queda da Beleza”, mais uma vez nos presenteou um texto rico em imagens poéticas de narrativa tortuosa, inspirado no poema “Canto Infante”, de Antonio Mariano. Vale ressaltar que, na opinião de todos, o “remedo” (texto de Betomenezes) sai sempre melhor do que o “soneto” (no caso, o poema de Mariano). E eu, Sérgio Janma, que vos escreve um tanto atazanado essa ata, apresentei a história autobiográfica “A doença que curou outra doença”. Nela constato que uma catarata por mim adquirida curou minha decana miopia.

Acabado o momento de leitura e o conseqüente espaço para feedback, fui fuzilado por Jéssica e Romarta com a ordem: Você vai fazer a ata da reunião. Hein?! Mas eu nem sei os nomes de todos... quis atalhar. Não seja por isso. Passa a lista, todos assinam e... Pronto. Atarantado, tive ataquicardia. Com certeza vou atamancar! Mas atado por esse compromisso, cá estou, ataviando essa ata.

E para por fim aos trabalhos literários da agradável noite, lançou-se uma grande e criativa leva de temas para a reunião do próximo sábado. Foi necessário resolver a parada em dois turnos. Venceu o “pelado(a)”, proposto por Norma Alves. Portanto, para o próximo sábado, dia 01 de outubro, devemos canalizar nosso talento de escribas para desenvolvermos um texto sobre “PELADO (A)”.

PS: Perdoem-me os citados que apresentaram contos e eu os omiti nessa ata. É que cheguei atrasado e... bem, explica mas não justifica, eu sei.

Sérgio Janma

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Maria Romarta (Cartum + Conto)

MARIA ROMARTA nasceu em 09 de Março de 1991, em Santana do Ipanema, cidade do Sertão de Alagoas. Começou a escrever e a compor aos nove anos. Há algum tempo veio morar na Cidade de João pessoa. Faz teatro, é aluna de Comunicação Social - Jornalismo da UFPB e membro do Clube do Conto da Paraíba.

***

QUANDO AS PALAVRAS SOMEM

Quando avistei a porta, olhei por segundos aquele número: 513. Pensei em escapar, descer apressadamente as escadas até que a distância pudesse me consumir, mas, meu coração adiantou-se e fez com que meus pés me pusessem praticamente colado à porta. Senti o cheiro do verniz.

Eu não fugi, não podia, mas também não tive coragem de tocar aquela campainha, me sentia envergonhado, por quê? Eu estava ali não estava? Havia me reorganizado para cumprir com o que devia, não havia?

Bati. A mãe de Thaís atendeu, pediu que eu entrasse, pôs para mim um chá e falou que ele estava dormindo.

- Quer vê-lo? - Perguntou-me.

- Não. Eu quero vê-lo sim, mas agora não, o deixe dormir, depois...

- Tudo bem!

- Daqui a pouco... Sabe?

-Veja bem, como era desejo de Thaís, que o menino te conhecesse e que fosse morar com você, darei também meu consentimento. Mas caso não fosse isto, ele ficaria comigo, só comigo. Então...

- O que ela disse mais?

-Como eu ia dizendo... O menino inicialmente passa o final de semana com você e a semana comigo, até que se acostume com você, se por acaso acostumar. Depois a situação se inverte então ele passa a...

Juro que me senti mal com toda aquela conversa, queria chorar, deixar cair aquela xícara no chão, não por causa do menino, a questão era que eu estava deslocado, me sentia um estranho no mundo, um sem nenhum valor, um tanto faz. Eu queria fazê-la parar de falar, então disse:

- Eu sei, entendi.

E ela calou-se, e se pôs a fitar o chão. Notei que ela lacrimejava. E a entendi, aquele menino era para ela, uma extensão de Thaís e ela não queria perder Thaís pela segunda vez. Mas, e perderia?

Logo, o silêncio feito por nós mostrou-me as fotos de Thaís espalhadas pela sala em porta retratos. Ela estava feliz e linda. Olhando-as, meu mal estar sumiu, mas foi também olhando para elas que tornei a pensar naquilo que me tirava o sono há dias: Por que ela quis me entregar o menino? Para provar que sou orgulhoso? Fazer-me lembrar que eu os abandonei? Ou isto era uma prova de amor e ela sabia que eu seria um ótimo pai? Ora! Thaís, não foi você que pediu para eu ir?

- O que ela disse mais?

- De você? Mais nada.

-Ela falava que não, mas guardava mágoas de mim.

-(...)

- Não era?

- Achava um covarde, infantil!

-Tinha razão...

- Não. Eu que te achava um moleque covarde, cheguei a jurar que você não vinha. Eu vou chamar o garoto, afinal, vocês têm um voo para pegar, não é?

-É sim...

- Ah! Mas olhe ele aí.

O quê? Como assim? Naquele instante meu coração subiu até a garganta!

- Esse moço aí é seu pai. Lembra? Aquele que sua mãe mostrava pela cam.

Ele então veio me abraçar e eu aceitei todo desajeitado e, de emoção, chorei, mansinho, para não assustá-lo. E nem quis imaginar quantas palavras severas ele me diria se soubesse me julgar. E nem quis explicar nada, pois já não havia palavras. E eis a primeira coisa que aprendi dele: Quando as palavras somem, se transformam em abraço.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Ata vampiresca

Ata referente ao dia dez de setembro de 2011.
Vampiro é um ser mitológico ou folclórico que sobrevive alimentando-se da essência vital de criaturas vivas (geralmente sob a forma de sangue), independentemente de ser um morto-vivo ou uma pessoa viva.
~~ Wikipédia ~~
Proteja seu pescoço!

Em noite de lua cheia o Clube do Conto foi invadido por Vampiros. Vampiros dos mais variados tipos e estirpes.

Abrimos nosso caixão com a “Vitrine” de sanguessugas de TV do Wander Shirukaya. E demos boas risadas quando chegou o “Vampiro Banguelo” da Norma Alves, um típico Vampiro brasileiro. E sofrendo das mazelas de uma vida longuíssima, encontramos um “Vampiro no Divã! Hein?!” do Sérgio Janma, esse que estava acompanhado por Marla. O clima ficou mais obscuro e recheado de goticismo com os “Passos na Noite” de Andréia Cravassos. Por fim, “O Caso Bianca” do F.P. Andrade intrigou a todos e deixou alguns leitores curiosos (Jéssica Mouzinho) com a resolução...

Mas, a noite vampiresca não acabou por aí, quem também chegou para apreciar a lua e os pingos de chuva aleatórios, foi a Regina Behar. E logo depois com os “Emigrantes” chegou Maria Romarta.

A dança da chuva com as cadeiras, ensaiada tantas vezes pelo Clube do Conto, inspirou o tema do próximo sábado... CHUVA!

Traga seu guarda-chuva, pois o temporal de contos vai ser grande!

Jéssica Mouzinho

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Jéssica Mouzinho - Sessão de Contos (9)



Pra quem não lembra, a Sessão de Contos é um "programa" do nosso blog que exibe para todos os internautas um dos contos lidos nas reuniões de sábado do Clube.

Nesta semana, exibiremos um conto inédito de Jéssica Mouzinho. Boa leitura!


***

O SILÊNCIO

Ela está sempre ali, com seu olhar sedutor, seu sorriso levemente sombrio. Às vezes sinto que quer dizer algo muito importante, mas se cala e fica a me olhar por longas horas, longos dias. E eu numa reciprocidade ímpar faço o mesmo. Fico dias a fitar sua beleza, seus finos cabelos, seu colo nu. Tento adentrar no canto mais profundo de sua alma para saber o que ela pensa das paredes amarelas de nossa casa, dos móveis de madeira Jatobá e da faxineira Teresa que a olha com susto e incompreensão.

Mas confesso que gosto desse mistério e do som delicioso do silêncio promovido pelo nosso amor. Não vejo sinfonia mais perfeita.

Em noites muito frias, me deito sobre ela pra esquentar seu corpo frio, branco e pálido. Sinto que ela sorri com satisfação e agradecimento. Seus olhos brilham feito os meus. Seu corpo quadrado tem as curvas mais perfeitas que já vi. São noites delirantes de entrega, alegria e calor.

Vivemos em nosso mundo perfeitamente silencioso. Nada importa, nada queremos ter, a não ser um ao outro. Muitos veem com indiferença nossa relação, falam que ela é a criação de um outro que a amou pouco, que é apenas mais uma cópia barata das demais que existem por aí. Mas isso não é verdade, ela é a única e verdadeira. 
Minha!

Minha musa de sorriso nebuloso. Minha Monalisa.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Álbum de fotos (do fundo do baú)

Revirando os arquivos virtuais do Clube, nos deparamos com algumas fotos antigas e empoeiradas. Segue algumas para nos recordarmos das situações vivenciadas.

No dia em que a associação de moradores estava fechada.

Na associação.

Por onde anda o nosso cartaz?

Dôra e Beto na biblioteca.

Na época em que as reuniões ocorriam na biblioteca.

No quintal do Shopping Sul (por trás da livraria).


quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Regina Lopes (Cartum + Conto)

REGINA LOPES MACIEL é mineira, tem 51 anos, formada em medicina, mas há muito tempo fez a opção por exercer diversas atividades artísticas: canto, teatro, escrita, paisagismo, desenho e bordado. Escreve desde 1999 e atualmente mora em João Pessoa, onde faz parte do Clube do Conto da Paraíba.

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CAMINHO

Já era tempo de subir o rio. Eu estava madura, no entanto, inexperiente: era a minha primeira vez. Despedi-me dos mais jovens e juntei-me ao grupo adulto feminino, com o qual aprenderia todos os rituais da viagem.

Durante os preparativos, tudo era festa e ríamos à toa: os salpicos da chuva nos provocavam cócegas, os pequenos girinos, que faziam a corte aos nossos pés, pareciam zonzos e desorientados, os seixos massageavam nossos corpos e nós nos deleitávamos com aquelas sensações.  O grupo masculino olhava de longe, pensavam que ríamos deles e, um pouco emburrados - acho até que enciumados com nossa alegria - faziam as provisões necessárias. 

Em janeiro, o rio estava suficientemente cheio para a partida e todos nós, prontos para a viagem.

No início da jornada ainda se pode conversar, trocar ideias, falar dos planos e sonhos futuros. Mas aos poucos, toda a energia precisa ser economizada e toda a atenção dirigida ao rumo a ser tomado. A resistência da água é forte, o percurso extenuante e há uma imensidão que não se sabe onde vai dar.  Surgem imprevistos como barragens enormes a serem transpostas e trechos extremamente poluídos.  Vez ou outra alguém desaparece do campo de visão e não há  como saber se  foi pego por alguma correnteza mais forte, se achou uma passagem de mais fácil acesso, se desistiu e voltou atrás ou, até mesmo, se morreu.

Por fim, chegamos à nascente do rio e ali fizemos o que tínhamos que fazer: desovamos.

Hoje, que refiz este percurso diversas vezes, ainda não posso compreender porque a placa, afixada na primeira curva do rio, alerta-nos para não se nadar contra a correnteza. Nadamos sempre contra a correnteza, e este é o nosso caminho. 

domingo, 4 de setembro de 2011

Fotos do Clube - reunião do dia 3/9/2011

Reunião com muita ventania, contos, contistas e fotos, as quais foram tiradas por Laudelino, Eli e Betomenezes.

Betomenezes e Eli.

Félix chegando na reunião.

Jéssica, Alcebíades, Clarilene e Sérgio.

Wander, Laudelino, Andreia e F.P. Andrade.

F.P. Andrade, Félix, Norma e Jéssica.

Sérgio, Cartaxo e amiga, Betomenezes.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Ata nada poética

Ata referente a reunião do dia 27 de agosto de 2011.

Estiveram presentes: Dôra*, Norma*, Cartaxo¹, Regina Behar, Jéssica Mouzinho**, Alcebíades, Romarta***, F. P. Andrade, Laudelino e Wander****.

* levou um conto.
** levou 2 contos.
*** chegou com um certo atraso, mas levou um conto.
**** chegou com um certo atraso e não levou conto.
¹ não levou conto, porém narrou suas aventuras na África.

Dôra chegou a falar que foi um sábado muito poético, pois a maioria dos contos estavam recheado de versos camuflados, diferente desta ata, que chegou seca e sem rima, dizendo apenas quem esteve presente e levou conto.

Antes de encerrar este relato, vale ressaltar que numa disputa bastante acirrada entre: vênus, partida e cortinas, ficou decidido que o tema do próximo sábado é VÊNUS, seja o planeta ou camisa de.

E tenho dito.

Laudelino

terça-feira, 30 de agosto de 2011

André R. Aguiar (Cartum + Conto)

ANDRÉ RICARDO AGUIAR nasceu em Itabaiana, Paraíba e ficou tempo suficiente nesta zona rural para adquirir o olhar para as coisas mais básicas da vida, tempo e memória. Veio para João Pessoa, tomou contato com livros e bibliotecas e nunca mais parou de beber da fonte. Passou por jornalismo e letras e através de muitas amizades, integrou os movimentos culturais do fim de século, além de colaborar com jornais e revistas, entre eles, Correio das Artes, sua estréia. Participou de concursos literários, fundou o selo Trema, junto com Antonio Mariano e José Caetano e ajudou a fundar o Clube do Conto. Começou na poesia, publicando A Flor em Construção (Idéia), Alvenaria (Ed. UFPB). Em seguida, o livro de crõnicas de viagem Bagagem Lírica (Sal da Terra) e os infantis O rato que roeu o rei (Rocco) e Pequenas Reinações. Tem inéditos outros livros.

***

O MÁGICO

Ele era mágico, vivia disso e se orgulhava, quando saiu de sua terra, de ter de memória, todas as técnicas que aprendeu com um sujeito velho, espécie de caixeiro-viajante, que lhe ensinou o básico: tudo é  ilusão. 

Agora vivia num quartinho alugado, perto da boate onde ele, com destreza, fazia mil e uma mágicas de enganar a vista, o dito ilusionismo para alguns. Desaparecia e aparecia com o espectador e sabia muito bem esticar o suspense; as inevitáveis e mirabolantes estripulias com cartas de baralhos; o truque de mover objetos. E em tudo isso o pouco rendimento, o suado resultado que  mal pagava as contas – e que mal alimentava o coelho da cartola. Também sonhava com Carolina, a filha do dono do estabelecimento. Ia e vinha entre as  mesas, atendendo os clientes. 

Lembrava bem da cidade em que nasceu, da prima que se espantou com a primeira mágica, do beijo roubado no crepúsculo, da estranheza em pouco mais que um fim de semana ver o pai desaparecer numa curva da estrada e nunca mais aparecer,  amargo número incompleto.

Estava  nas reminicencias naquela manhã, quando treinava os números daquele dia, e, num momento raro, pegou o coelho, o pôs na cartola e o viu sumir. A mão sentiu a penugem ir aos poucos se desfazendo numa matéria mínima até pouco restar, a não ser pelos entre os dedos. Depois, olhou para o fundo da cartola, para os lados, para a sala e nada. 

Demorou muito a cair em si. Não era apenas a cartola. Qualquer coisa que pudesse se oculta por ele, podia sim, sumir. E não mais voltar. Esperou dias pela volta do coelhinho e nada. Sentiu ânsias de vômito e teve a impressão de uma bola de pelos efervecentes subir a garganta, e nada. 

Na boate, a platéia entediada, como a esperar que ele fosse apenas a atração secundária para o show com mulheres voluptuosas. Então, de pirraça, começou a desaparecer com pessoas. Escolhia ao acaso, na platéia, aqueles seres desacompanhados, que geralmente ficavam nos cantos apenas pedindo, com  os gestos mínimos, para não serem perturbados. Mas quando chamados, talvez para evitar um constrangimento na recusa, iam ao palco e se submetiam à humilhação de serem vistos e analisados com os olhares. Durava pouco, pois entravam numa cabine e, num zastrás, o vazio apenas, o holofote chicoteava e pronto, música de finalização. Ninguém reclamava o fechamento do círculo. Achavam que quem desaparecia, ia para os bastidores e de lá, talvez pegar a lateral da boate e ir embora. O dono do estabelecimento, vez ou outra, preocupado, perguntava mesmo, onde o sujeito? E ele, vestindo a roupa comum, desconversava dizendo, está na mesa perto do balcão, é só conferir. E dizia com poucas palavras, já anunciando que o silêncio era o que faltava vestir para ir cuidar da vida.

Mágica. Não tinha a capacidade, esta sim, necessária, de fazer aparecer coisas.  Dinheiro no bolso ou na cartola, por exemplo. Só desaparecia. Sabia, pois sonhou com isso, que as pessoas que desapareciam, forçosamente apareciam em outros lugares.  Os solitários caíam em antigas aldeias festivas e geralmente eram solicitados a cantar ou tocar.  Os tímidos ou feios terminavam em serviço social, os hospitais do outro lado do mundo, os contratavam para atender pacientes. Os que estavam terrivelmente molestados, com pouco tempo de vida, iam para as guerras fronteiriças, e na luta, descobriam um sentido imediato de vida. Morriam úteis, sem saber se foi a bala ou o tumor. 

Foi só quando Carolina confessou o seu amor, um amor que seria sempre proibido, que ele se lembrou do conselho do caixeiro-viajante e tornou a frase ao avesso: vida é ilusão. E programou seu último número, às ocultas. 

Naquela última noite, o mágico fez tudo às pressas, tão nervoso estava. Alguns números não funcionaram. Outros, arrancaram risadas, outros ainda nem foram aplaudidos. Deixou pra o final, já cansado e com a cartola jogada no canto do palco, o número da cabine. Olhou para a platéia na luz difusa e com um gesto, chamou a filha do dono do estabelecimento. Tudo combinado, ela veio às pressas, enquanto o pai estava ocupado, com urgências de última hora. E quando entrou na cabine, o mágico suspirou aliviado e sem muita cerimônia, para surpresa do público, também entrou, uma maleta nas mãos. Fechou e entrou no abafado mundo do seu talento. Escuro estava. Tateou até encontrar uma mão trêmula e febril. Podia ser Carolina ou a ilusão que lhe convinha, não importa. 

Desaparecer sempre era um bom começo.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Dôra Limeira (Cartum + Conto)

DÔRA LIMEIRA nasceu em João Pessoa no dia 21 de abril do século passado. Graduou-se e especializou-se em História na UFPB. Depois que se aposentou enquanto professora, fez teatro, foi uma das fundadores do Grupo Teatrália. Depois enveredou pela Literatura, tendo publicado seu primeiro livro aos 60 anos, o livro de  contos "Arquitetura de um Abandono". Por causa desse livro, recebeu o prêmio de Revelação Literária 2003, promovido pelo Suplemento Literário Correio das Artes, do jornal A União. Em 2002, participou do Concurso Talentos da Maturidade (promovido pelo Banco Real) com o conto "Não há sinais", concorrendo com 10.338 inscritos em todo o país. Foi incluída entre os vinte melhores concorrentes. Como tal, teve seu conto publicado na antologia "Todas as estações", pela editora Peirópolis. Em 2005 publicou seu segundo livro de contos, o "Preces e Orgasmos dos Desvalidos". Dôra Limeira é uma das fundadoras do Clube do Conto da Paraiba, que já completou sete anos de existência e que já publicou uma antologia "Histórias de sábados". Dôra Limeira publicou mais dois livros de contos, a saber: "O Beijo de Deus" (2007) e "Os gemidos da Rua" (2009). No momento, dispõe de dois livros inéditos, esperando oportunidade para publicação.

***

EIS O QUE RESTA DE MIM

Você não sabe de coisa alguma. Fui obrigada a me afastar e nada lhe expliquei. Dobrei a esquina sem adeus nem acenos de até logo. Eu sofria muito. Amaldiçoava tudo quanto eu tinha de mais sagrado, meus anjos, meus santos, meus pais. Mas não derramava uma só lágrima. Ao contrário, eu ria às pampas. Perguntavam-me se eu estava louca. Não, não estou louca, eu respondia. Mas devo confessar que, em meu íntimo, eu desatinava, perdia meu rumo. Disparava num riso histérico, escrachado. Somente eu e Deus sabíamos o quanto me angustiava aquela situação. Deus sabe o quanto eu cortava minha pele até não suportar. Era doloroso. Eu sangrava, gemia, gritava e arrancava minhas vestes. Era tanta a dor que eu chegava a trincar os dentes. Parecia que um tumor maligno estava sendo extirpado de mim, sem anestesia.

Custou-me muito, mas decidi ir embora. Não me pergunte sobre as razões de meu gesto. Não sei, não tenho como lhe responder. Nos primeiros tempos nosso companheirismo foi muito bom, parecia não ter fim. Você se desdobrou em delicadezas, eu me desdobrei em compreensão e paciência. Eu pensei que aquele céu duraria por muitas eternidades. Mas, infelizmente, lamento, não deu. As engrenagens da vida foram mais fortes do que nós. Fomos impotentes perante a rotina, o tédio, o marasmo. E tudo se desgastou, tudo se transformou em sofrimento. Aquilo que parecia amor para sempre se consumiu, se destruiu entre bebedeiras e discussoes à toa.  Com o tempo, você se transformou. Permitiu que as crises tomassem conta de seu corpo e sua alma. Voce mudou o comportamento, pareceu-me ser outra pessoa.

Ao longo dos anos, aos poucos, você se atrasou em seus compromissos comigo. Embriagado, você muitas vezes me beijou e me bateu, depois você chorou. Eu tive muita paciencia. Nao me lembro de quantas vezes coloquei você na cama, limpei vômitos, urinas e fezes no quarto, no corredor da casa,  no banheiro. Mesmo assim, acreditei em cada promessa, cada propósito de mudança. Você sempre me prometeu coisas depois de suas bebedeiras, e sempre acreditei. Eu preparei seu jantar, inventei pratos novos de vez em quando. Mas você sempre chegou tarde para a ceia, a comida esfriava e eu dormia no torpor da depressão. Se você me beijava com bafo de cerveja, eu acordava enojada, impaciente. Você disse muitas vezes eu te amo, mas repuxou meus cabelos e me bateu. Eu nunca tive o direito de comemorar qualquer coisa em casa, seja meu aniversário, aniversário das crianças, Natal ou qualquer outra confraternização. Sabe por que? Eu tive vergonha. Embriagado, voce não respeitou nem a presença de minhas amigas e de meus familiares. Sempre discutiu, disse palavrões, fez gestos obscenos. Em suas crises, você não considerou nossas crianças tão pequenas ainda. Minha mãe me chamou minha filha, volte para a casa de seus pais. Na casa de seus pais, ninguem bate em você, lá você é respeitada e estimada. Mas, naquele tempo, não tive coragem de tomar uma atitude.

E os dias, meses e anos foram se passando. Aquele 12 de dezembro amanheceu, o sol avançou e você não chegou. Levantei-me, fiz o café da manhã e encaminhei as crianças para a escola. Aguei o jardim, pus a ração do cachorro, lavei a louça, fiz uma coisa, fiz outra coisa. E você não chegou. Lavei roupa, esfreguei, enxaguei. O sol se colocou alto no céu, esquentou as visceras de meu juizo, esvaziou meus sentimentos, secou minha vontade de chorar. E você não chegou. Em busca de uma decisão, eu prossegui cortando minha pele, minha carne. Tudo em minha casa fedia, ora era cheiro de cachaça, ora de vômito, ora de fezes. Respirei fundo, inalei todos os maus cheiros do ambiente e resolvi. Fui embora levando meu corpo, minhas coisas, minha pequena vida. Mal dobrei a esquina, já senti saudade das crianças. Engoli no seco e atravessei a rua na faixa de pedestre. Nunca mais tive notícias das coisas de meu passado, as crianças, o marido, meus pais, o guarda roupa que aninhou meus segredos durantes muitos anos. Doeu, doeu muito. Mas hoje eu acredito que valeu. Cabelos grisalhos, hipertensão, diabetes e tosse crônica são as coisas que me restam. E um gato castrado roronando debaixo de minha cama.

(Inspirado no samba “Ex-amor”, de Martinho da Vila)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Leitura de conto

Maria Valéria Rezende lê Um escritor de Geraldo Maciel (Barreto)


SOBRE O AUTOR DO CONTO

GERALDO MACIEL (BARRETO) paraibano, nascido em Nova Palmeira, em 1950. Foi professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba.

Seu primeiro livro de contos Aquelas ciaturas tão estranhas, foi lançado em 1995, pela Editora Rio Fundo, RJ, tendo já uma segunda edição pela Editora Manufatura.

Publicou um segundo livro de contos, Inventário de pequenas paixões, em 2000 e lançou em 2005 seu terceiro livro de contos O Concertista e a Concertina.

Publicou contos em revistas culturais e em Antologias nacionais, a exemplo da Contos Cruéis, pela Geração Editorial e Quartas Histórias, pela Editora Garamond. Seu romance Peccata Mundi ganhou o primeiro lugar no concurso literário cidade do Recife 2008.

Faleceu em 31 de maio de 2009 deixando uma saudade imensa no Clube do Conto da Paraíba, do qual era um dos membros mais atuantes.


SOBRE A LEITORA
MARIA VALÉRIA REZENDE nasceu em Santos SP, em 1942, viveu lá até os 17 anos. Vive há mais de 30 anos na Paraíba, dedicando-se à educação popular. Passou boa parte da infância escavando a praia e o quintal, pra ver se achava o tesouro do pirata Cavendish que frequentava as praias lá de Santos. De vez em quando ainda dá uma cavada no quintal ou na praia... vai que o Cavendish passou incógnito aqui pela Paraíba e enterrou o tesouro no Cabo Branco pra despistar? Por gostar de lendas e levá-las a sério, acabou escrevendo e publicando livros de ficção pra gente de qualquer idade e, principalmente, apegando-se ao Clube do Conto, tribo nômade que vaga há quase sete anos por João Pessoa. Alguns dos seus livros foram finalistas de concursos, mas nunca receberam "o" prêmio, de modo que ainda tem muito que melhorar, se for capaz.