domingo, 3 de setembro de 2006

Autoras do Clube do Conto: Sônia Van Dijck; Mercedes Cavalcanti, Marília Arnaud

Clube do Conto

Memórias Rendilhadas

Sônia Van Dijck, Mercedes Cavalcante e Marília Arnaud, três autoras que participam do Clube do Conto, estão incluídas na bela coletânea Memórias rendilhadas: vozes femininas (João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2006) organizada pelas professoras Neide MEDEIROS e Yolanda LIMEIRA, da UFPB.
O belo texto de Sônia Van Dijk pode ser lido em seu site.

Saiba mais sobre o livro:

Escritoras lembram as histórias que as encantaram na infância

Jornal da Paraíba - ASTIER BASÍLIO

Uma coletânea no mínimo diferente. Ao invés de se reunir textos de ficção ou ensaios, Memórias Rendilhadas: Vozes Femininas (Editora da UFPB, 106 páginas), organizado pelas escritoras Yolanda Limeira e Neide Medeiros, apresenta artigos que relatam histórias de leituras feitas na infância. (...)
A idéia de fazer este livro partiu da professora Neide Medeiros. Para realizar a empreitada, quinze escritoras paraibanas foram convocadas para relatar experiências vividas. Nas veredas das memórias das autoras, paisagens e lugares, principalmente, nas cidades de João Pessoa e Campina Grande são revividos.

Participam da coletânea as escritoras Adylla Rabello, Cristina Guedes, Emília Guerra, Lourdinha Luna, Marília Arnaud, Mercedes Cavalcanti, Mila Cerqueira, Neide Medeiros, Petra Ramalho, Pié Farias, Socorro Loureiro, Sônia van Dijck, Terezinha Fialho, Vitória Lima e Yó Limeira.

Nas evocações das autoras são lembrados nomes como José Lins do Rêgo, Balzac, Cervantes, Victor Hugo, entre vários outros que acenderam a chama da imaginação no primeiro contato com o rico universo da literatura. Os relatos trazem este tom memorialista e pessoal. Vejamos o texto “Memória e leitura”, da escritora Marília Carneiro Arnaud: “Cresci vendo meu pai ler livros, jornais e revistas, diariamente, e bastava observá-lo naquela atividade para saber o quanto o fazia com prazer. Talvez tenha sido este um dos motivos que me conduziram ao mundo mágico da leitura. Até oito, nove anos, fui apresentada a Monteiro Lobato, e dos seus livros, o primeiro que conheci foi As Reinações de Narizinho”.
A obra traz ilustrações dos livros citados na abertura dos capítulos.

ORGANIZADORAS

Neide Medeiros é professora aposentada da UFPB e doutora em Estudos Literários. Dedicada à literatura Infantil, tem vários trabalhos na área publicados em jornais e revistas do País. É representante e membro da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil aqui na Paraíba. Publicou também os livros: A Hora e a Vez da Literatura Infantil e Guriatã: Uma Viagem Mítica ao País-Paraíso.

Yolanda Limeira é professora e animadora cultural, fundadora da revista Verdes Anos. Licenciada em História pela Universidade Federal da Paraíba, atuou em vários órgãos de cultura do Estado (como Iphaep, DGC, Funesc), tendo participado da organização de vários eventos culturais a exemplo dos Festivais de Arte de Areia. Faz parte do quadro de sócios da Associação Paraibana de Imprensa e tem publicado poemas e algumas crônicas em jornais e revistas da Paraíba e de outros Estados. Participou da Coletânea de Poetas Paraibanos (Ed. Universitária da UFPB -1999).

sábado, 2 de setembro de 2006

Autores do Clube do Conto: Raoni Xavier de Lucena

Clube do Conto

Premiado no concurso da Editora Idéia


Em maio deste ano, a Idéia Editora , de João Pessoa, realizou o seu Iº Concurso de Contos.

O jovem (muito jovem mesmo!) participante do Clube do Conto da Paraíba, Raoni Xavier de Lucena, foi um dos premiados, o que enche de orgulho seus sompanheiros do Cluibe!

Agora, após selecionar os 10 melhores contos inscritos, através de uma comissão formada 3 escritores renomados (Marília Arnaud, Hildeberto Barbosa Filho e Mercedes Cavalcanti), Magno Nicolau convida para o lançamento da coletânea CONTOS PREMIADOS, que será no dia 28 de setembro, no Parahyba Café, a partir das 19h.

(Parahyba Café - Av. Juarez Távora - início da Epitácio Pessoa - Centro Cultural Saelpa)

Autores do Clube do Conto: Ronaldo Monte (3)

Clube do Conto
Publicado no Correio das Artes, João Pessoa, 28/07/2006
(CAPA)

Memória literária

Por Patrícia Braz

Ele diz que da memória só bebem os justos. Àqueles que merecem guardar a memória depois da morte. Sobre seus personagens presentes na obra "Memória do Fogo" (Objetiva, 128 páginas), o escritor Ronaldo Monte diz que eles morrem sem memória. A memória que os habita é a do fogo, a do deus que os recolhe finalmente em seu seio. E explica: "O conceito psicanalítico de memória com o qual eu trabalho não coincide exatamente com o de lembrança ou recordação. Nem toda memória torna-se lembrança. Nem toda lembrança é confiável como factível", arremata. Para o autor que estréia no gênero romance, a memória do fogo é o que resta daquilo que não foi perdido e se descortina na história dos personagens entremeada pelo fogo, cada qual ao seu modo, compondo um manto tal qual uma colcha de patchwork, cujos retalhos medidos são trechos de vidas.Ronaldo Monte se debruça sobre o tema da memória chamuscada pelo fogo das vidas dos personagens que inspiraram o escritor ainda quando perseguia o doutorado, desde os anos de 1990 e 1991, em Campinas. De lá para cá tem sido um exercício constante de lapidação. Segundo o autor o texto estava pronto há cinco anos. "Mas como eu não queria mais uma "edição do autor" e não aparecia oportunidade de furar o mercado nacional, o texto foi sendo revisado, comentado por gente de confiança. Acho que esse tempo de espera fez bem ao livro. Ele amadureceu", avaliou."Memória do Fogo" (R$ 27,90), de Ronaldo Monte, é o terceiro título da coleção Fora dos Eixos, que já lançou "O vôo da Guará Vermelha", de Maria Valéria Rezende, e "Voláteis", de Paulo Scott. A coleção pretende, nas palavras escolhidas pela editora, "buscar a qualidade literária fora do eixo Rio/São Paulo". Mas está longe de ser enquadrada como literatura regional, algo há algum tempo atribuído ao estilo de Ronaldo. E o autor explica: "acho que esta questão já está superada. De uma forma ou de outra, todos somos regionalistas. O escritor que conta as tramas de um quarteirão da avenida Paulista ou de uma favela do complexo do Alemão está, a seu modo, sendo regionalista. No final das contas, falamos todos de uma região virtual que nos habita e nos constrói. Ela é composta dos lugares em que vivemos, das pessoas que roçamos, dos livros que lemos, dos quadros que vimos, dos filmes ou novelas que vemos. Esta região nos acompanha e exige que falemos dela". Na opinião de Maria Valéria Rezende, a obra a que se remonta é digna de ler uma e outras vezes seguidas, sob a doce pena de descobrir uma nova viagem a cada processo. Sobre o possível aspecto regionalista do texto ela afirma: "vida humana é vida humana em qualquer lugar, e dar conta dela é o papel da literatura, em qualquer lugar"

Ao ser questionado sobre qual o ponto de partida para criar e construir um trabalho literário a exemplo deste último recentemente apresentado ao público (Memória do Fogo foi lançado em João Pessoa na última sexta-feira, 21), Ronaldo, tomado pelo ímpeto de soltar uma despojada risada que se dissipa pelos quatro cantos do terraço azul da casa onde mora, no Bairro dos Estados, na pacata João Pessoa, diz, entre risos: "não sei". Assim, curtinho e simples, deixando a impressão de que entre concepção e tradução em palavras até formar uma obra de reconhecimento literário autenticado por doutores em Letras a exemplo de Neroaldo Pontes e João Batista de Brito, há uma distância que não se traduz em tempo nem em forma.As idéias, segundo Monte, surgem como algo que não é buscado. Sua inspiração, conta Ronaldo Monte, resulta do encontro de uma impressão do cotidiano com uma exigência de expressão de alguma coisa interna que a princípio lhe é desconhecida. Diz não ser do tipo de escritor que se cerca de silêncio e distância para expelir sua genialidade. E acrescenta: "Claro que não escrevo com gente bisbilhotando às minhas costas nem fazendo zoada no meu pé de ouvido. Mas mostro logo tudo que faço ao pessoal da casa. Minha mulher é meu primeiro censor, mas nem sempre a escuto. A experiência com o Clube do Conto de João Pessoa é muito boa para uma avaliação permanente da minha produção. Toda semana tem um tema para o dever de casa. Nos fins de tarde dos sábados nos reunimos e lemos a produção da semana. Se o autor autorizar, faz-se a crítica do texto, evitando-se o clima persecutório. Devo ao Clube do Conto o aprimoramento do meu texto, além da publicação do "Memória do Fogo". Sobre o ato em si de traduzir a história reservada na mente em palavras com sentido e ordem, Ronaldo diz que nesse ponto cabe ao escritor, "dominar o impulso. Domesticar a sua exigência". E como que frente a um segundo personagem que responde pela alcunha de "Idéia" apresenta-se a ela como se a tal sujeita fosse seu oponente e concorda: "tudo bem. Eu escrevo", para em seguida ordenar:" Mas há as exigências. As minhas exigências". À esta altura, caro leitor, permitam a esta repórter tentar descrever a cena que se fazia compor durante o exercício jornalístico de entrevistar uma sumidade como Ronaldo. Enquanto seguia explicando a dinâmica da escrita, acrescentando o diálogo mantido com a tal da "Idéia", Ronaldo se desprende do momento em que está contextualizado, ou seja, concedendo uma entrevista exclusiva para este suplemento literário, perde-se em segundos e assume ares de um autêntico ator em pleno exercício de interpretação dramática. Um só instante, diriam agentes do fazer teatral, em que o personagem toma conta do ser. Revelado o momento de interação entre escritor e idéia, Monte ressalta que, como tal, tomado pelo desejo de dominar o elemento matéria-prima da história, é necessário colocar-se como escritor de fato e atuar, tirar os excessos, conter as palavras pomposas e dar espaço para a emoção do leitor.E confessa que não escreve para si nem acredita tampouco que alguém o faça. Também diz que não escreve para qualquer um. "Acho que assim estaria fazendo bobagem. Escrevo para certas pessoas". Sobre a obra Memória do Fogo, Sergio Rodrigues diz: "não é um livro fácil. Regionalista e intimista ao mesmo tempo, tem uma prosa de alta densidade poética dentro da qual a narrativa avança com lentidão de sonho. Ronaldo tem voz própria e um admirável domínio da linguagem". O rápido flagrante do transe voltará a marcar essa entrevista que em tom descontraído e despretensioso navegou pela narrativa apresentada pelo escritor sobre sua vida. Além de psicanalista, Ronaldo foi também repórter foca do Caderno de Esportes, do Jornal do Comércio, em Recife, e ainda publicitário. È também, e especialmente, nesta fase em que atua como criador de textos publicitários que o psicanalista diz ter exercitado sobremaneira a construção da linguagem. Lembra que nessa época trabalhou com Ítalo Bianchi, profundo conhecedor do latim, da língua portuguesa. E, numa "espécie" de competição com Bianchi na busca constante do texto perfeito acabou por esmerar a construção textual.O ofício da escrita veio, portanto, antes do outro ofício que carrega, o de psicanalista. O escritor conta que já na infância se aventurava pelo sabor de escrever poemas. Mais tarde vira redator de propaganda, em Recife. "Afiei meu texto a soldo. Aos poucos fui tentando o texto curto, uma crônica aqui, um conto ali, alguns textos inclassificáveis que teimavam em continuar poemas. Foi a psicanálise que cafetinou minha escritura. Meus textos acadêmicos são palatáveis, o que não quer dizer que sejam de fácil digestão". Ronaldo considera natural que as pessoas, ao saber que também é psicanalista, passem a procurar e até, achar em seu texto referências ao Édipo, à castração, etc. E confessa: "Mas até onde eu saiba, não procuro deliberadamente tratar de temas psicanalíticos. Mas como nada do que é humano é estranho à psicanálise, é natural que os personagens vivam certos temas visados pelo saber psicanalítico. Só não posso negar que minha forma específica de escuta, marcada por uma neutralidade benevolente, influencia o modo como permito que os personagens se expressem, como consigo sintonizar com seus sentimentos, numa espécie de identificação que aprendi a usar no consultório".

O argumento central da história apresenta um grupo de cachaceiros, totalmente vividos pela embriaguez e que se junta em um determinado lugar para enfrentar um destino comum. Segundo o autor, o que ele fez foi acompanhar a trajetória de cada um desses homens desde a meninice até o momento do encontro. "Estabeleci que cada um deles teria uma profissão ou uma experiência marcante ligada ao fogo. Mas logo no primeiro capítulo apareceu uma mulher com uma filha no colo. Darque, Joana Darque, é o seu nome. Ela vai cruzar com cada um destes homens ao longo da narrativa. Aproveitei dela para contar evolução do uso do fogo nas cozinhas. Ela só se casará com um homem que lhe der um fogão a gás", conta o autor. De acordo com Ronaldo a história conta a trajetória de pessoas que são lançadas no mundo em completo desamparo e não conseguem construir suas vidas. São devorados pelo fogo do álcool que toma conta de suas memórias. Antes, lhes empresta uma memória construída em torno de quase cinzas. No final, o fogo é como um deus benevolente que consome seus filhos a partir do dentro de seus corpos. Como uma graça por haverem se embebido da água ardente. "Podem até pensar que fui cruel com meus personagens. Mas eu fui misericordioso", pondera. No romance, o elemento fogo aparece revestido nas suas mais diversas manifestações, e, de alguma forma, costura os personagens que desfilam pelo livro de Ronaldo. Ele ressalta que há uma relação entre o fogo que consome e a tal água ardente. Eles incorporam como divindade. E a memória que lhes vem a partir dessa ingestão é a memória dessa divindade. O elemento central é falar da transcendência do íntimo de modo pífio, já que não se tem muito por onde transcender. O autor revela que o livro traz muitas referências que levam o leitor a entremear-se entre as palavras e que tem mais cheiro do que cor. "O cheiro das cozinhas, por exemplo, é fortemente emergido", lembra. No texto é visível a permanência da estrutura do conto em cada um dos capítulos. Mas eles só fazem sentido quando vistos em conjunto. No tempo de construção do livro, Ronaldo Monte conta que logo após o que pensou ser uma obra literária concluída expoente do gênero romance - pelo menos era o que ele pensava já ter feito -, colocou a versão (a primeira) nas mãos de dois amigos sobre os quais resguarda grande admiração e sobretudo, respeito, Neroaldo Pontes e João Batista. Segundo o escritor eles foram unânimes em afirmar que o texto era muito bom, mas que não era um romance. "Voltei para casa e tentei criar um eixo que costurasse mais firmemente os capítulos. Mesmo assim, eles guardam ainda uma certa independência", e brinca: "espero um crítico generoso que chame isto de pós-modernismo".A oportunidade de lançar o romance pela Objetiva, na opinião de Ronaldo demonstra que não é necessário estar dentro do "eixo" São Paulo/Rio para fazer parte dele. E diz: "Nem todo escritor do falado 'eixo' está dentro dele. O 'eixo' é o mercado", define. Ronaldo mora em João Pessoa e não vê isso como obstáculo para inserir-se no mercado. Nascido em 1947, em Maceió (AL), é psicanalista radicado na Capital paraibana onde além de escrever também atua como psicanalista e clinica no oitão de sua casa. Confessa ser um leitor que não dispensa o que lhe cai as mãos. "Não sou um leitor sistemático. Minha família não tinha tradição de leitura e tive que me virar sozinho. Mas lá em casa tinha uma coleção do Tesouro da Juventude que foi a minha salvação. Comecei com José Lins do Rego de quem tomei emprestado o imaginário rural". À esta altura Ronaldo se declara um nordestino urbano do litoral, um caranguejo, como disse Gilberto Freire", conta. E acrescenta: depois vieram Machado de Assis, Graciliano, Guimarães Rosa e quase todo o Mário de Andrade e um poço do Oswald. Os poetas também pontuaram o seu acervo de leituras literárias. Entre eles "Bandeira, Vinicius, Drumond, Murilo Mendes, João Cabral, Mário Quintana, enfim, o serviço militar obrigatório e passagem também obrigatória por Fernando Pessoa, Lorca e Octavio Paz. E ainda um pouco de Baudelaire, para não esquecer os franceses". Entre as mulheres Monte destacou. Clarisse Lispector e Adélia Prado. E na confluência da poesia com a psicanálise tem Hölderlin. Dos pernambucanos, além do texto de Gilberto Freire, relata que recebeu forte influência de Hermilo Borba Filho, passou um tempo querendo ser o João Ubaldo. E lê, mais ou menos por livre associação Thomas Mann, Günter Grass, Antonio Callado. "Um texto que muito me espantou foi o de Saramago. Li o "Memorial do Convento" numa edição da Difel, muito antes dele se tornar famoso. Hoje, estou enjoado da sua forma. Recentemente, ando encantado pela narrativa de Ítalo Calvino. Gostaria de ter a delicadeza dele". E para arrematar, comentário de Chico César, músico paraibano, sobre obra e autor de Memória do Fogo: "estou lendo e ouvindo a música que vem das palavras de Ronaldo que conheço de longa data e ainda me espanta".
Saiba MaisRonaldo Monte é autor dos livros: "Pelo Cantos dos Olhos", "Memória Curta", "Tecelagem Noturna", "Pequeno Caos" além de ter publicado em parceria com Pedro Osmar o poema intitulado "W.T.C", (de World Trade Center).

(Correio das Artes, 29 e 30 de julho de 2006)

sexta-feira, 1 de setembro de 2006

Autores do Clube do Conto: Dôra Limeira

Clube do Conto

Os restos de Dôra

Ronaldo Monte – Poeta e psicanalista

Dôra Limeira é barra pesada. A tinta de sua escrita é feita metade de adrenalina, metade dos excrementos do corpo e da alma dos humanos.

Dôra escreveu dois livros de contos. O primeiro é Arquitetura de um abandono, de 2003. O outro é Preces e orgasmos dos desvalidos, de 2005. Desaconselho os dois às almas leves e afeitas a desmaios. Os contos de Dôra doem como uma espremida de carnegão.

A escrita de Dôra se faz com o que sobra, o que resta, o que excede dos corpos. Mas os donos desses corpos, eles mesmos, restam, sobram, excedem num mundo de lugares e cartas marcadas. E estes seres nos incomodam de dentro da escrita de Dôra, da mesma forma que nos causa incômodo vê-los nas ruas. Mas se nas ruas podemos virar os olhos a estas exceções humanas, não podemos evitá-las nos textos de Dôra.

O trabalho de Dôra se assemelha ao de uma irmã de caridade que vai ao encontro dos sofredores nos lugares sórdidos do mundo e os acolhe nas páginas dos seus livros. E ao nos mostrar o sofrimento em toda sua crueza, Dôra nos convoca a ser co-responsáveis por este sofrimento. Coisa não muito difícil de alcançar, pois, no fundo, aqueles lá somos nós, sem tirar nem pôr. Apenas relutamos em nos reconhecer. Encontro com Dôra quase todo sábado, no Clube do Conto. Para brigar e beber chocolate quente. Com o tempo que sobra, lemos e ouvimos contos nossos e alheios. A cada novo conto de Dôra que conheço, mais me aproximo de sua humanidade. Mais me aproximo de minha própria humanidade. Quanto mais ela apura o seu estilo, mais me sinto instigado a escrever melhor a cada dia. Ninguém sai de perto de Dôra Limeira do mesmo jeito que chegou. Eu já disse e repito: esta senhora é barra pesada.

Como se fosse uma ata... (registro do dia 26/08/2006)

A reunião passada [do dia 26/08/2006] registrou a volta gloriosa da companheira Valéria, após suas peripécias angustiosas em torno de ambulância, UTI no ar, hospital e coração. Chegou e já levou um texto sobre "chuva". Bravo, Valéria!

Foi sensacional nossa última reunião. É interessante como um tema banal como a chuva, pode originar expressões tão diversificadas. Quase todos levaram textos para serem lidos.

Alguém leu o conto de Mainieri, que foi bastante comentado. Quase todos concordaram que o elemento "flagrante", com a chegada repentina dos patrões teria dado mais impacto ao final do conto. Alguns outros acharam que outro impacto foi quebrado logo no começo da história: o fato da personagem ser "empregada doméstica". Acharam que se isso fosse revelado no final, o texto ficaria mais forte, mais impactante. As discussões foram muito animadas em torno desse texto, o pessoal sempre admirando o empenho com que o tal "gaucho" vem participando ativamente das atividades em torno de cada tema. Outra pessoa leu o conto de Laudelino, que não pôde comparecer, mas enviou o texto sobre "viagem no tempo". Surpreendentes sempre, o Laudelino e seus textos. Mas, Pepita registrou que o autor, por um lapso, trocou os dois nomes dos dois personagens no final da história. "Isso, em cinema, se chama 'erro de continuidade'", declarou o cinéfilo, professor, crítico de arte e contista João Batista.

Quanto ao próximo tema, sugeri "eleição", mas o pessoal optou por "coração", obviamente uma homenagem à nossa amiga Valéria, em franco processo de recuperação da saude.

Marília compareceu com bolo e velas de aniversário para que comemorássemos os aniversários de André e Mariano. Mas, que coisa. André não compareceu. Mariano, após saber que havia um bolo sobre a mesa da reunião, veio correndo e trouxe seu conto sobre "chuva".

Bem, gente, eu sinto falta dos tempos em que cada reunião gerava uma ata, geralmente jocosa, bem humorada. Sinto saudades também dos tempos em que, sem programação, sempre havia objstos de cena ou adereços sobre a mesa, conforme os temas. Era muito bom quando sempre havia alguém fotografando, registrando nossas imagens tão descontraidas. Dira faz falta.

Espero ter assinalado nesta quase ata realmente o que aconteceu na reunião de sábado passado. Claro que devo ter omitido ou fantasiado algum fato, que minha cabeça não é de ferro. Mas, espero que me corrijam, que acrescentem alguma coisa que, por acaso, eu tenha esquecido.

Tirando André, Ronaldo, Dira, Brendan, Raonix, Alexandre, os demais estiveram presentes, se não me falha a memória.

Dou fé.

Dôra