terça-feira, 8 de setembro de 2009

Autores da Semana (6)

Semanalmente, ou quinzenalmente, ou, no máximo, trimensalmente, publicaremos contos dos participantes do Clube do Conto. Nesta edição número meia-duzia: Dôra Limeira.

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Dôra Limeira tenta trazer a lume realidades que, por se esconderem atrás do óbvio, pouco são percebidas. Ruídos do cotidiano, gemidos de carências alimentares, de necessidades sexuais e afetivas. Sussurros de pessoas velhas, doentes terminais, pessoas desagasalhadas. Em seus escritos, esta contista tenta ouvir e expressar murmúrios escatológicos, religiosos, libidinosos, murmúrios domésticos. No ato de criação, todos os gemidos valem a pena.

Dôra Limeira é paraibana, nascida em João Pessoa, bairro de Cruz das Armas.

Fez os primeiros estudos em escola pública. Na seqüência, estudou em colégio particular religioso, de onde saiu para a Universidade Federal da Paraiba. Graduou-se e especializou-se em Historia. Ministrou aulas em escolas particulares e públicas. Também lecionou na Universidade Federal da Paraíba. Como professora/pesquisadora, desenvolveu projetos de pesquisa sobre Historia Regional do Nordeste. Como parte da vida acadêmica, escreveu e publicou textos técnicos restritos à sua área profissional.

Depois que se aposentou, Dôra Limeira passou a dispor de tempo e espaço onde colocar em prática uma atividade que sempre a fascinara desde criança e que não desenvolvera até então por falta de oportunidades: literatura. A internet foi seu primeiro canal de expressão e divulgação literária. Participou de sites literários, escrevendo contos, comentando, interagindo com outros escritores. Estimulada pela satisfação de escrever e incentivada por amigos, recolheu todo o material acumulado e publicou seu primeiro livro - Arquitetura de um Abandono que lhe valeu um destaque: foi considerada a Revelação Literária de 2003 pelo Correio das Artes, suplemento do jornal local A União.

Dôra Limeira é uma das pessoas fundadoras do Clube do Conto da Paraíba, que existe desde junho de 2004.

Livros de contos publicados até o momento: Arquitetura de um Abandono (2003), Preces e Orgasmos dos Desvalidos (2005), O Beijo de Deus (2007), todos editados pela Editora Manufatura, com ilustrações de Vant. Está prestes a ser publicado o “Os gemidos da rua”.

Dôra Limeira tem projetos para um próximo livro que, certamente, não será de contos, segundo ela mesma adiantou.

O e-mail válido para contatos é doralims@bol.com.br.

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EU QUERO COMER BRIGADEIRO

Preto, traje roto, sandálias de dedo, ele morava num aglomerado habitacional de taipa, na periferia. Era menino ainda, mas suspeitaram que fosse bandido. Seu corpo amiúde fazia mogangas sobre um monte de barro, no arruado onde morava, equilibrando-se com agilidade. Brincava de ser cristo redentor, braços esticados, mãos estendidas sobre um corcovado de brasilites e isopores rasgados. Vadiava sob os aplausos da meninada e dos adultos desocupados. De tanto repetir a brincadeira, ganhou um apelido: “Cristo Redentor”, Cristim na intimidade. Era franzino, comprido e não tinha medo de nada. Nos horários da escola, ora estendia seus braços em cruz sobre o arruado, ora se postava junto aos semáforos. Fazia malabarismos e virava cambalhotas diante dos carros parados no sinal vermelho. Comia fogo, canivetes, tesouras. Assim, ganhava uns trocados e entregava, em casa, à sua mãe que também tinha apelido – Dona Maria de Cristim. Um dia, final de tarde, parou junto à vitrine de uma lanchonete. Foi quando suspeitaram que fosse bandido. Imóvel, avistou os doces e brigadeiros, bolos confeitados, empadas e pastéis. As glândulas salivaram. Com a fome nos olhos e a boca babando, Cristim apalpou os bolsos rasos da bermuda. Ouviu o tilintar das moedas que arrecadara comendo tesouras no último semáforo. Retirou as moedas do bolso e pensou eu quero comer brigadeiro. Mas não houve tempo. Um jato de sangue jorrou-lhe das entranhas e as moedas tilintaram no chão. Rolaram ladeira abaixo, alegres. Para Cristim, já não valiam nada. Seu corpo deu entrada no IML, sem sinais especiais que o identificassem, sem dono. Serviu de exemplo nos noticiários de televisão. O rosto morto foi capa de revista policial. Tarjas pretas cobriram-lhe os olhos desbotados, envergonhados. Cristo Redentor era menor de idade, um menino ainda, mas pensaram que fosse bandido. Em casa, sua mãe esperou a noite inteira. Volta para casa, Cristim, pensava. E chorava feito uma pietá. Dona Maria não sabia que, rígido e frio, Cristo jazia numa gaveta de frigorífico, sem túnica.

sábado, 5 de setembro de 2009

Sessão de Contos (3)

Diferente da Sessão da Tarde, um programa quase diário que exibe filmes na televisão, a Sessão de Contos pretende ser um "programa" quase semanal do nosso blog, trazendo para todos os internautas um dos contos lidos nas reuniões de sábado do Clube.

Hoje exibiremos um conto inédito, dirigido por Alfredo Albuquerque. O conto, no tema Super-Herói, foi lido na reunião de 22/08/2009.

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Superego

Comecei por matar o Super Homem. Atirei-o da janela do terceiro andar de modo que ele não pudesse reagir. Espatifou-se no gramado, quebrou um braço, arranhou o joelho e, ao ser levado ao hospital, morreu.

O Homem Aranha teve um fim parecido. Ao tentar equilibrar-se em uma de suas teias, presa no puxador do armário e na cabeceira da cama, desequilibrou-se e foi ter com a cara no chão, provocando sangramento na boca e um dente quebrado. Eu o matei na primeira sessão de tratamento dentário.

O Príncipe Submarino morreu afogado na piscina do condomínio quando o levei ao lado mais fundo e o fiz pular sob ameaças de chamá-lo de covarde caso não o fizesse. O Homem Invisível não conseguiu atravessar a parede do banheiro, quando o empurrei, e morreu ali mesmo, no vaso sanitário, sentado, sem entender o porquê de não ter sido capaz de acionar seus poderes. A Mulher Maravilha também não foi poupada, vindo a falecer após levar uma surra humilhante de minha mãe que não havia gostado de vê-la calçada com seus sapatos de festa. A surra a debilitou e eu acabei por matá-la sufocada em lágrimas.

Houve também um Deus a quem neguei comida, matando-o de fome, e em seguida meu pai, que se desintegrou diante dos meus olhos após ser pego em flagrante cometendo contradições entre o que dizia e o que fazia.

E assim fui matando todos, um por um, deixando seus corpos estendidos no passado, como um lembrete à minha memória de que heróis são melhores mortos.

Restou um.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Poucas palavras

O Clube do Conto também está no Twitter, tipo de blog pra quem escreve pouco. Venha nos seguir, é só acessar http://twitter.com/clubedoconto.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Ata por um fio

Ata referente ao dia 29 de agosto de 2009.

Reuniões são flores sociais. É um ajuntamento com sentido, estendido por um espaço de tempo que, de alguma forma, não é o mesmo para quem acompanha de fora.

Restaurantes foram criados pela necessidade do homem em comer de uma forma descontraída e desligada do contexto de subserviências aos ditames do íntimo da tribo. Mas não é de estranhar que reuniões onde pouco se consome, onde se perfilam seres sem muita fome, dêem nos nervos de profissionais que vivem de servir, e ato contínuo, esperam resultados para o mesmo ato de servir. O Clube do Conto consome mais energia lendo que comendo. O Clube é uma reunião com sentido. E restaurantes, sim, também servem histórias. De graça. Para quem quiser.

Dito isto, a reunião foi um sucesso, com os sempre bem-vindos e esperados (rotineiros) imprevistos. Neste sábado marcaram presença criaturas estranhas, de concordada periculosidade. Eis o espécime homo commodus, nosso Ronaldo do pé amadeirado que, graças, com verve e indisciplina, ocupou lugar de destaque na mesa. Digo, na cadeira. Um pouco a bombordo, Bonifácio e Vivi, contistas de fusos horários levemente alterados que primam pela jovialidade arcaica. Depois, Laudelino que trincha bem tanto uma carne quanto uma história mitológica; também Alfredo, ciente do que faz com o texto e do que produz para que textos do clube ganhem permanência; Dôra, contista e historiadora do conto; Emerson, ganhando foros de assiduidade; Luciana, autora de histórias e divulgadora de filosofia corporal, entre tantas. De quebra, e não menos importante, a convite de Vivi 2, a já bem-vinda Romarta, que escolhida entre tantos Rss, veio abrilhantar a reunião com seu jeito alagoano, sua simpatia e vivacidade, morando tão perto do centro caótico do Coelhos. Contos foram lidos (inclusive um belo exemplo da literatura do lado de lá, Gonçalo M. Tavares, via R.M) e outros tantos foram calados. O Clube está todo prosa e tentando equilibrar permanência e novidade, garimpamos este paradigma leopardiano: é preciso mudar para que as coisas continuem como estão. Qualidade acima de tudo, amparados num tripé de amizade, consistência e fome. A propósito, o tema esteve insinuado em toda esta ata. O equilibrista. Garçom, pode trazer a conta.

Saudosas Atas do Clube do Conto (4)



As antigas Atas do Clube do Conto não são mais produzidas, por isso, para aqueles que não tiveram oportunidade de adquirir um exemplar, estamos disponibilizando eletronicamente esta antiga publicação do Clube.

Nesta edição #5, baixamos a resolução do arquivo para facilitar a abertura da Ata, mas sem perder a qualidade. Participam deste número Regina Behar (As palavras, a combinação, o equivoco), Dôra Limeira (Em ritmo de baião brega), Laudelino Menezes (O dinheiro), Ronaldo Monte (O choque), Valéria Rezende (Fumaça), Antônio Mariano (Ansiedade móvel) e André Aguiar (Labirinto). Patrono da edição: Julio Cortázar.

Comentem se, com esta nova resolução, melhorou ou piorou na hora da leitura. Lembrando que existe a opção de ZOOM.