um conto em seis parágrafos
Ontem, acordei desnorteado hoje, acho que tudo começou ontem a ontem quando um amigo disse pra mim que amanhã chegaria aqui hoje. Agora nem sei se o aqui é acolá, ou o acolá é lá. Pra mim, hoje foi dia 36, mas nenhum mês tem o dia 36 nem no calendário lá da cozinha, por sinal, marquei este dia em um espaço em branco na página de um mês aleatório.
Resolvi freqüentar um psicanalista, ele disse que o problema é que sou contraditório só porque falei que cumprimento as pessoas com despedidas e quando saio pela porta da frente dou de cara com o quintal. Ele deve estar certo, pois percebeu que nas primeiras consultas eu ficava calado, mas antes e depois, quando estava na sala de espera, falava pelos cotovelos. Ainda bem que ele possui um raciocínio rápido, minha consulta agora é no horário em que fico na sala de espera, esperando a consulta, e minha espera é durante a consulta. Eu e ele ficamos escorados na porta, para que um escute bem o outro.
O psicanalista me receitou bastante açúcar para adocicar a vida. O problema é que já não sei onde encontrar o açúcar, pois, durante uma época, escrevi açúcar no pote de sal e sal no pote de açúcar, não lembro se para enganar as formigas ou de quando queria provar um doce salgado. Quando pensei ter encontrado o açúcar, queimei a garganta, era pimenta, foi do tempo em que queria uma pimenta adocicada.
Joguei todos os meus potes de sal, açúcar e pimenta no lixo. Fui para o mercado comprar açúcar. Me perdi no meio do caminho, tornei-me um desaparecido. Sei que sou desaparecido, várias vezes encontrei cartazes com meu rosto estampado e letras garrafais dizendo DESAPARECIDO.
Não lembro se foi eu quem colou esses cartazes ou foi minha família, sempre quis saber como é a vida de um desaparecido. Dificilmente foi minha família, eles devem estar feliz com meu sumiço, principalmente os meus parentes mais velhos, pois dizem que cresci, mudei bastante e não sou mais o mesmo de outrora...
Talvez seja isso, eu não sou mais eu, mudei para outra pessoa. Sim, é isso, hoje é quinta-feira, pra cumprimentar se diz oi, despede-se falando tchau, o quintal é atrás, a rua é na frente... Tchau, psicanalista. Não sou desaparecido, eu me achei.
Laudelino Menezes
(Texto apresentado na reunião do Clube do Conto da Paraiba, sábado, dia 3/5/2008)
2 comentários:
Muito bom!Qualquer sábado apareço por lá!
=)
Apareça, Clarissa. O Clube do Conto espera sua presença. Um abraço!
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