segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Náufrago


Eu afundo com muita facilidade.

Não em grandes extensões marítimas. Não tem nada a ver com água, afogamento, estertor. Não na praia, nem no rio, nem no lago.

Eu afundo perto de mulheres. As que eu desejo. As que eu quero tocar. Não tenho rotas definidas, e minha bússola não é confiável. Em vez de mapa, tenho espinhas. E não sou capitão coisa nenhuma. Sou marinheiro de primeira viagem. Sou do subúrbio, a quem chamo de ilhas.

Adoro Moby Dick, mas não cheguei ao fim. Não é o mar, mas a calmaria que me assusta ali. Então largo o romance, experimento a terra firme, vou de arpão para as mulheres. Tem uma menina na rua, eu consegui chegar muito perto. Ela aceitou dividir um banco de praça. Não sei se por curiosidade, troça e tédio dos dias. Talvez uma mistura. Até dobrar a esquina e ir me aproximando da praça, senti a dureza do chão, tinha uma rota - era eu. Quando me aproximei, fui me apagando, o chão ficou movediço, pantanoso. Quando sentei no banco, passei a enjoar, não tinha o prumo das frases. É assim mesmo, pensei. Você divisa ao longe um peixe que parece pequeno, e que cabe na idéia do arpão. Você tem a obsessão de Ahab. Aos poucos, basta aproximar, a brancura violenta e os olhinhos náufragos te observando, e as sardas (esta baleiazinha tem suas sardas) te faz sentir indo na direção dela com o arpão mais te ferindo do que ameaçando a presa. E mal ando na lâmina do oceano, fingindo heroísmo, o pé vai afundando. Juro a mim mesmo: isto é um banco, um banco, um banco. Pensava, de cimento: mas é de areia. Quem escapa para o fundo é a baleia. Quem encalha de vez sou eu.
André Ricardo Aguiar, tema naufrágio

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