quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Thiago Arruda - Sessão de Contos (14)


A Sessão de Contos é um "programa" do nosso blog que exibe para todos os internautas contos dos participantes do Clube.

Nesta semana, temos a estreia de Thiago Arruda aqui no blog!

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AS SOMBRAS SABEM. AS SOMBRAS SÃO CÚMPLICES.

Sei que, quando essa vela acabar, vai incendiar aquela palha e finalmente pôr isto aqui abaixo. Sei que, quando ela acabar.

Não olho para ela. O fogo pede meu olhar, que eu nego. Não devo respeito nenhum a quem pode me destruir. 

A sombra da cadeira observa tudo, flamejante. As sombras sabem. As sombras são cúmplices.

Vejo como o pavio queima, como a chama lhe espanca, numa batalha em que, apesar de árdua, já se sabe quem será o vencedor. Não é fácil para um homem derrotar um muro. O fim da vela é uma flor iluminada, é uma mesa de centro bonita de presépio.

A flor de fogo sacode. Avisa desesperada ou excita-se sob a proximidade do fim, a eternidade: nosso amor era um pavio. O pavio não deixa rastro, o pavio nunca existiu; o pó.

Deixo o cachimbo, ainda com fumo, que acendia com o fogo da vela. Reparo nas sombras que me traíram, omitindo-se de confirmar a minha versão dos fatos, o que quis dizer confirmar a sua; a sua versão filha da puta e mentirosa dos fatos. Os seus fatos. 

Minha mão se movimenta independente de mim: falta muito pouco para nada. Tento fazer como daquela vez, sentir o meu corpo em ligação com uma parte do que eu espero. Estou num dia pouco inspirado. Talvez devesse ter escolhido um dia melhor para, finalmente, descer. (Velas parecem com crianças, que parecem com a vida: quando se está sempre observando, nunca se percebem as mudanças.)

Passo um a um por meus pensamentos. Retiro à força suas mãos da minha cabeça, de que querem se apropriar; sigo meu caminho. Essa obstinação não me vem todo dia. Pouco inspirado, mas obstinado, fiz a opção certa, terra. Só espero que a vela ainda me permita pensar um pouco mais, sobre ela.

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