Semanalmente, ou quinzenalmente, ou, no máximo, trimensalmente, publicaremos contos dos participantes do Clube do Conto. Nesta edição número nove: Regina Behar.
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Regina Behar é professora de história da UFPB e escreve contos mais esporadicamente do que gostaria. Associou-se ao Clube do Conto tempos atrás, sumiu, e agora voltou pra tentar não “perder a mão”. Sempre viu o Clube como espaço de caos e criatividade onde alimenta seu fascínio pelas histórias imaginadas e pela arte da palavra.
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Entre o eclipse e os bandolins
Eles se conheceram no início da adolescência. A mãe dela mudara para a rua transversal havia seis meses. Se encontravam na escola do bairro diariamente e andaram juntos durante anos. Ela tinha um gato pardo chamado zeca e ele tinha uma cadela vira-lata chamada marilyn. Trocavam selos por moedas antigas. Entre o cuidado com os bichos domésticos e as tarefas escolares andavam ocupados com espinhas e mudanças hormonais.
Ela lhe apresentou a praça do bairro que ele jamais tinha olhado. Ele a iniciou no gosto pela poesia, o mundo das palavras com melodia que ela não conhecia. Então as praças, parques e praias povoaram o universo. Então a poesia, os romances e a musicalidade invadiram a vida. Entre as tarefas escolares e a preocupação com as espinhas, faziam planos de poeta e bailarina.
Ela o considerava a pessoa mais inteligente do mundo e ele não conseguia passar um dia sem lhe falar ao menos qualquer bobagem. Suas almas flutuavam como se andassem de mãos dadas, entretanto, nunca se tocaram. A valsa que dançavam era incompreensível aos mortais. Entre os planos de poeta e bailarina e a concretude do cotidiano, imaginavam-se felizes.
Um dia, depois das espinhas e da crise dos hormônios, ela considerou que estava perigosamente dependente dele. Um dia, depois do aumento do buraco na camada de ozônio e em meio da seca de 1983, ele cismou que ela o considerava um tolo, não levava a sério os seus sentimentos e só queria mantê-lo indefinidamente preso. Entre as divagações sobre o ozônio e a incomunicabilidade dos gestos deixaram de se encontrar.
Ele tomou rumo, casou, e foi morar no alto da rua. Ela mudou de bairro e foi morar longe da praça. Assim ficaram durante anos, apartados pelo espaço e pela fantasia de personagens irreais. O passado se tornou distante e a poesia se dissolveu na fumaça urbana. Fecharam-se em seus carros com vidro fumê. Entre fraldas de crianças e questões profissionais abandonaram o poeta e a bailarina.
Tangenciavam o mesmo lugar do mundo, mas suas almas não mais bailavam juntas. Vez por outra o passado invadia a casa e acordava a memória. Ele lembrava dela quando ouvia “Bandolins” e ela pensava nele quando ouvia “Eclipse Oculto”. Evitavam as praças como se fossem lugares malditos. Entre as lembranças do passado e o medo dos fantasmas, encontraram-se, um dia, a caminho do trabalho.
Já não eram tão jovens. Ele achou que ela estava muito envelhecida e ela admirou-se de sua calvice pronunciada. Passaram-se vinte anos, como se fosse dias, como se fosse um século. O tempo mudara tudo. Ficaram sem saber o que falar. Ela tomou a iniciativa e perguntou pelas crianças. Ele respondeu aparentando tranqüilidade e devolveu a pergunta. Ela disse que deviam sair qualquer dia com os meninos. Ele perguntou irônico: “passear na praça?”. Ela ficou vermelha. Entre a ironia e o medo despediram-se para sempre.
3 comentários:
Adorei o conto.. escrevo umas bobagens,como faço pra participar?
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por aqui vou acompanhando.
Regina Behar,
Quanta maturidade e sutileza há nas tuas palavras! Sensacional. Cumprimentos.
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37750-000
Machado-MG
(35) 9119-6723
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