Semanalmente, ou quinzenalmente, ou, no máximo, trimensalmente, publicaremos contos dos participantes do Clube do Conto. Nesta edição número cinco: Roberto Menezes.
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Nascido em Recife-PE e residente em Santa Rita-PB desde a infância, Roberto Menezes escreve desde os dezesseis anos. Doutor em Física por profissão e escritor por malcriação...
Tem uma grande quantidade de contos escritos. Seu romance de estreia, Pirilampos Cegos, tem personagens fortes e marcantes, e mostra fielmente o estilo do escritor.
O conto a seguir foi lido na reunião do dia 8 de agosto de 2009. A brincadeira era levar contos e não assiná-los para que os demais participantes descobrissem quem era o autor. Roberto conseguiu disfarçar o conto e fez alguns participantes pensarem que o texto era de Laudelino.
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UMA IDÉIA
Acordei com uma idéia fixa no pé.
Mas não sabia o que fazer com ela, pelo simples motivo de não saber do que tratava. Era uma idéia irritante, apertava as unhas encravadas. Não pude calçar os sapatos. Tive que ir ao trabalho de sandálias e inventar para o patrão um calo estourado.
Corri no computador e fiz a pesquisa: idéia no pé. Nunca ouviram falar. No máximo, falavam de idéia no coração, no sentido figurado. A idéia que eu tinha no pé era real, estava ali. Como ninguém no mundo havia tido? Achei tão natural, do tipo que vez ou outra alguém pode sentir durante a vida.
Olhei ao redor e fiquei com vergonha de compartilhar o problema com os colegas de trabalho. Procurei um profissional. Fui ao analista. Tinha ido lá no dia anterior.
Ele logo falou:
“Você disse que era urgência. O que era aconteceu com você? Tudo bem com você?”.
“Hoje não amanheci bem, doutor. Acordei com uma idéia no meu pé!”.
“Idéia no pé?
“É. Acordei com ela”.
“No esquerdo ou no direito?”.
“No direito”.
“Entendo... Acho que tou percebendo mesmo uma coisa entre os dois pés”.
“O senhor percebeu???”.
“Siiiiim. A sua idéia até me deu outra idéia!”.
“Uma idéia na sua cabeça, doutor?”.
“Sim senhor, e essa surgiu bem aqui entre as têmporas”.
“Inda bem... uma idéia normal”.
“É, uma idéia fajuta. Mas vamos a ela. Deite aqui no chão.”.
“Assim?”.
“Não, coloque as pernas em cima do divã. Assim, bem pra cima.”.
“Isso é relaxante.”.
“É relaxante mesmo, ajuda a reduzir a pressão arterial nos membros inferiores. Mas não vamos nos dispersar. E a idéia, ainda tá no pé?”.
“Acho que tá”.
“Acha? Você tem que saber onde tá. Ela já pode tá descendo. Olha o joelho. Ela já passou pelo joelho?”.
“Doutor, agora que você falou, posso até tá impressionado. Tou sentindo algo se mexer”.
“É ela, é ela”.
“É!!! Ela tá descendo, passou agora pela batata da perna”.
“Não tou vendo. Vai dizendo, vai dizendo”.
“Tá escorregando, aqui na virilha, que frio na barriga!”.
“Ela tá indo rápido”.
“É, tá.”.
“Conta. Conta. Tou pra ter um enfarto”.
“Passou pelo peito. Aqui, aqui na garganta”.
“Vai chegar à cabeça, vai chegar à cabeça”.
Até achei que ele ia enfartar.
E a idéia chegou à minha cabeça. Olhei para o analista. E ansioso, ele implorava para eu dizer qual era a idéia:
“Fale, meu filho, fale. Qual é a idéia?”.
“Não era idéia. Acho que era uma bolha de ar. Sei lá.”, menti para ele.
Decepcionado, me cobrou a fortuna de rotina.
“Até semana que vem”.
“Até”.
Saí de lá com a idéia fixa na cabeça: dispensar meu analista. No entanto, voltei atrás. Ele conseguiu curar o meu problema.
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