quinta-feira, 26 de junho de 2008

Encontro com Rosa Amanda

O Clube do Conto recebeu, em seu peculiar estilo “entre e tire a sandália” a escritora e amiga Rosa Amanda Strausz (paparicada em terras nordestinas), onde fez parte dessa idéia de encontro com o autor para falar de sua obra, tecer opiniões sobre mercado editorial e falar de seu processo criativo. A biblioteca contribui com a costumeira hospitalidade, com uma boa rodada de água de coco, histórias e a famosa técnica que Ronaldo Monte trouxe sobre comportamento e unhas. Com a presença dos habituais contistas e convidados, a tarde teve o tema livre como mote. A seguir, deixo na íntegra o texto de apresentação da escritora.

APRESENTAÇÃO

Confesso que tenho certo melindre em apresentar escritores que por si só já valem uma apresentação pelo simples fato de a) marcar presença e b) a sua obra que, com cem perninhas, já andou à frente do autor encantando leitores. Além do mais, o Clube do Conto, como anti-instituição, já garantiu certos hábitos, a saber, o de uma improvisada e deliciosa anarquia em que histórias e leitores falam o que quiserem, às vezes, entrelaçadamente. É esta prática que me deixa menos cauteloso para apresentar a presente convidada, a escritora Rosa Amanda Strausz a mais um de nossos encontros com o autor, para uma tarde de conversa fiada que bem pode seguir o fio de Ariadne ou deixar que o labirinto do momento tome conta da ocasião.
E por falar em Clube do Conto, e sendo a autora uma exímia contista, além de ter passeado com desenvoltura na literatura infantil e até na biografia, nada melhor que exemplificar com esse valor de troca (no caso do conto curto, moedinha da sorte) e passar adiante. Talvez assim clareie e nos dê motivos suficiente para novas indagações sobre o ato de escrever, ou, o que quer que a imagem suscite, abrir janelas de par em par ou portais para mundos paralelos.
Por exemplo, o conto Água, do livro Mínimo Múltiplo Comum:

Enchia a parte superior do filtro de barro e ficava escutando o gotejar. Sempre se emocionava com o modo simples como se destila a água que encharca um jarro, feito de terra para sempre estéril.

Aqui, o leitor se depara com um processo, uma finalidade, um desafio à adversidade. Posso imaginar que o conto também fale da busca por uma expressão mais refinada, porque não? Para tanto, o material é simples, mas exige um esforço, uma técnica até rudimentar, mas o resultado final “encharca” a “terra para sempre estéril”: mata-nos a sede.
É a rotina de Sísifo do escritor, esse gotejar que se escuta, ora com nervos à flor da pele, ora com delícia. É a outra vida nossa, que comporta asas. Assim está no conto Rotina, do mesmo livro:

Venceu dragões e gritou que seleção natural é o cacete. Passeou em labirintos, foi coroado, abdicou no dia seguinte, ergueu catedrais, compôs hinos, descobriu vacinas, doou fortunas, inventou a cera que não derrete, voou até o sol, apertou o botão vermelho, riu da explosão, xingou o papa, beijou a Moira, foi pra casa, tomou banho e correu para bater o cartão de ponto.

Aqui nesta peça não é o tema da vida que poderia ter sido e não foi, mas a vida que acumula, com perdas e ganhos, as duas realidades do escritor, e a fatura disso é o embate que produz, com baixas ou condecorações, o resultado da partida vida x imaginação. Uma rotina que abarque o cartão de ponto e a folga lírica, a jaula e o seu arrombamento, o silêncio e o grito.
Rosa Amanda Strausz, que convive de perto, no eixo ou fora dele, é um exemplo que ela mesma cita e também mistura: pode trabalhar como cigarra, pode cantar como formiga. Afinal, em literatura e na própria vida, a fábula admite também o seu contrário.

2 comentários:

Cla disse...

Deve ter sido bom o encontro.Fiquei curiosa sobre essa historia de comportamento e unhas!hehehe
E este texto tá muito muito bem escrito,quem quer que o tenha escrito,se já não publicou livros,publique-os!!!
=)

serpentes e punhais disse...

Que idéia bacana! Gostei!