Sei que o Clube do Conto tem a informalidade como princípio. Nada de academicismo. Se bem entendi, a regra é evitar a regra. Na entidade prevaleceria um clima de descontração que induz seus participantes a cometimentos inusitados. Estimula-se, dessa forma, consciente ou inconscientemente, a criatividade – característica que tem iluminado essa grei sabatina, a começar pela escolha dos temas dos contos, alguns insólitos. Destaco, a escatologia – um tema imundo, nos termos da historiadora da confraria em seus registros internéticos (1). Imundo, repugnante, fétido, nauseabundo, grotesco, de extremo mau-gosto e muito impróprio para quem logo mais, no jantar, irá deglutir uma sopa. Impregnado pela enxurrada literário-escatológico de há pouco, o confrade ou a confreira poderá ter anulada a sua apetência. A trivial e até então bendita sopa poderá lhe parecer agora uma gosma marrom-diarréia onde bóiam restos de vômito, resquícios de expectoração e bem nutridas ascaris lumbricoides ao invés de nutritivos pedaços de legumes, saudáveis nacos de carne e suculenta porção de macarrão. A vítima trófico-literária poderá perder completamente o apetite. E ainda mais dificilmente conseguirá vencer a inapetência se após a sopa vierem quibes bem tostados.
Concordo com a contista e historiadora Dorinha Limeira quanto ser a escatologia um tema imundo. Mas, transcendendo a etiqueta pequeno-burguesa – ah, ninguém fala mais na ideologia pequeno-burguesa..., saiu da moda, desapareceu dos discursos progressistas –, reconheço, também, que os assuntos catarrais, pútridos, excrementícios e outros abundantes temas, têm sua validade como instigadores literários. Vejam-se, entre outros, os exemplos do norte-americano Charles Bukowski, do cubano Pedro Juan Gutiérrez e o do brasileiro Rubem Fonseca, que os inserem nos seus escritos. Agrego a esses o tabajara Augusto dos Anjos (rasgo nativista?), que, entre outras inspirados versos, poetou:
Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(Psicologia de um vencido)
O injustiçado sapeense chegou a divinizar o Fator universal do transformismo/ Filho da teleológica matéria (...) no soneto O Deus-verme, cujos tercetos informam dietas alimentares da divindade:
Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão...Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus a maior porção!
Indiferentes a eventuais engulhos, obstruções de narinas, rictos de nojo e outras reações voluntárias ou involuntárias, os temas evacuatórios e similares podem estimular outras dimensões da imaginação. Esse acréscimo criatico foi demonstrado pela contista historiadora em suas reminiscências ciberespaciais. No registro da sessão dedicada à escatologia, Dorinha Limeira acrescentou uma nova faceta criativa – um adereço original – ao clima literário da reunião:
O objeto de cena era um imenso penico de alumínio com um bolo inglês dentro (massa pronta). O bolo estava desarrumado, todo troncho, com uma cobertura marrom escura de chocolate, gosmenta, desarranjada. Misturados àquela cobertura gosmenta, havia pedaços de papel higiênico, sujos de chocolate. Parecia que alguém com diarréia braba tinha usado o penico, tinha se limpado e jogado o papel lá dentro. E assim, inspirados nesse cenário, íamos lendo nossos contos. Tinha gente que se contorcia de tanto rir. Como ainda estávamos usando o espaço do cafezinho, os passantes olhavam, detinham-se um pouco e nada entendiam. (...)
Ao término das leituras dos contos escatológicos, foi a hora do lanche. Todos comeram da sebozeira que estava dentro do penico. Aliás, uma delícia. Só quem não comeu foi Barreto (Geraldo Maciel). "Quero comer essa porcaria, não!!!", dizia ele. Mas, que cabra besta (e educado – acrescento eu – pois usou o termo porcaria evitando palavra mais realista).
A idéia da ilustração do tema é interessante, motivadora. Se a moda se consolidar, será necessária muitíssima ou nenhuíssima criatividade quando os escritos versarem sobre erotismo. Temática universal e imemorial, vem sendo explorada desde a conhecida história do binômio formado pela cobra de Adão e a maça de Eva, abordado naquela velha marchinha de carnaval, gravada pelo fanhoso Jorge Veiga. (A história da maça/ É pura fantasia/ Maça igual aquela/ O papai também comia/ Eu li num almanaque/ Que um dia de manhã/ Adão tava com fome/ E comeu a tal maça/ Comeu com casca e tudo/ Não deixando nem semente/ Depois botou a culpa/ Na pobre da serpente...).
Após tais considerações e cônscio de que o informalismo deve prevalecer no Clube do Conto, gostaria – sem desprezar tal princípio – de sugerir uma pequena inovação. Proponho que haja alguma discussão sobre os contos apresentados. Ao menos sobre uma amostra deles. Como fazê-lo, seria mais um desafio à nossa criatividade. É frustrante para quem escreve ter o laconismo ou o silêncio como reação ao seu texto. Após a leitura dos mesmos advirem apenas alguns elogios vagos (Beleza! Muito bem! Bom! Valeu...) ou aquele hum hum... hum hum que, muitas vezes, insinuam uma bem-comportada aprovação sobre algo que poderia ser melhor fruído caso houvesse algumas perguntas. Por outro lado, acredito que seria benéfico, enriquecedor, para todos nós, haver informações sobre o que gerou o texto, o que ele encerra de realidade e de ficção, quais as transformações sofridas por ele ao longo da sua feitura... enfim, qual o processo da sua criação.
Não estou propondo nenhuma defesa de tese, nenhum esgrima monográfico, nenhum pega-pra-capar teórico. Sugiro, apenas, uma troca de idéias mais acurada sobre os textos. Considero tal medida estimulante bem como uma forma de aprendizagem recíproca.
Cláudio José Lopes Rodrigues
* Texto apresentado na reunião do sábado, 08 de julho de 2006.
(1) Clube do Conto História do Clube - 5º capítulo - Um tema difícil. http://clubedoconto.blogspot.com/2006/04/clube-do-conto_07.html
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