Aos poucos, a programação antiga do nosso blog vai retornando.
Diferente da Sessão da Tarde, um programa quase diário que exibe filmes na televisão, a Sessão de Contos é um "programa" quase semanal do nosso blog, trazendo para todos os internautas um dos contos lidos nas reuniões de sábado do Clube.
Nesta semana, exibiremos um conto de uma das integrantes mais recentes do Clube, Regina Lopes. Este conto foi lido na reunião do dia 15 de janeiro de 2011. Boa leitura!
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Palavras de Amor
Regina Lopes
Nícia corria sem parar e sem saber por quê. Desde que saíra da festa, sentia um certo entorpecimento mental e agora movimentava-se rapidamente, deixando pegadas rasas na areia da praia. Como se um volante a direcionasse, foi levada a entrar em uma ruela onde os velhos da cidade distribuíam nacos de pão aos pombos.
Sentiu uma grande vontade de comer aqueles pedaços de pão e o fez compulsivamente, num ritmo que não era o seu, numa vontade que não era a sua. Ali, ouvindo o arrulho dos pombos, se lembrou do homem que acabara de conhecer na festa. Um homem que não parava de falar no seu ouvido. “Ele era estranho, não? Bastou apenas um cruzar de olhos para que me fisgasse. Eu fiquei paralisada, igual a um hipopótamo, afundado na lama até a altura dos olhos. Para ele eu só mostrei os olhos, mais nada. Nem a minha voz ele escutou. Dançamos. Ele me roubou um beijo e... não parava de falar.”
Mais adiante, no final da rua, encontrou um enorme ninho de pombos em volta do qual o povo se aglomerava. Lá dentro havia um homem que habilmente controlava os ventos e os fazia passar pelos buracos de um grande ralador de pão. Produzia sons inusitados e criava assim uma música envolvente. Esta música a foi entorpecendo e quando se encontrava em um estado quase hipnótico, o virtuoso homem profetizou: “aquele que hoje te beijou há de morrer por tua causa”. Dito isto, de cima do seu posto, abriu as asas e voou. Lá do alto, raspou flocos de nuvens na superfície cortante do ralador, derramando uma intensa neblina sobre a cidade.
Nícia ficou tão perturbada, que de todos se escondeu, apagando seus rastros na areia da praia. Aquele homem que a beijara havia mexido com ela; não sabia dizer como, não sabia o que sentia, mas não podia encontrá-lo de novo e permitir que a profecia se cumprisse.
Certo dia, cruzaram-se na rua e ele cobriu-a de beijos. Dizia estar com pressa em função do trabalho, mas ali mesmo, muito ansioso, marcou um novo encontro. No mesmo instante o ar ficou rarefeito e ela sentiu-se sufocar. Correu para casa, fez as malas e mudou-se para uma cidade do interior.
Desde então, na tentativa de amenizar a situação - certamente incompreensível para o pobre homem - passou a concentrar o pensamento nele e a enviar-lhe, mentalmente, lindas palavras de amor.
E assim os dias passaram e quando por fim sentiu-se aliviada e leve, ouviu a grande manchete do jornal: “Um homem fora encontrado morto em seu apartamento, soterrado por imensas palavras de amor”.
Obs.: Baseado em – Palavras de Amor – Nelson Coelho