Semanalmente, ou quinzenalmente, ou, no máximo, mensalmente, publicaremos contos dos participantes do Clube do Conto. Nesta terceira edição: Geraldo Maciel, também conhecido por Barreto.
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Geraldo Maciel é paraibano, nascido em Nova Palmeira, em 1950. É professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba, engenheiro civil e Doutor em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da USP.
Seu primeiro livro de contos Aquelas Criaturas tão Estranhas, foi lançado em 1995, pela Editora Rio Fundo, RJ, tendo já uma segunda edição pela Editora Manufatura.
Publicou um segundo livro de contos, Inventário de pequenas paixões, em 2000 e lançou em 2005 seu terceiro livro de contos O Concertista e a Concertina.
Tem contos publicado em revistas culturais e em Antologias nacionais, a exemplo da Contos Cruéis, pela Geração Editorial e Quartas Histórias, pela Editora Garamond. Tem um romance pronto – Aqui As Noites São Mais longas e editará em breve um quarto livro de contos. Seu romance Peccata Mundi ganhou o primeiro lugar no concurso literário cidade do Recife 2008.
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A GARRAFA
ÀS CINCO E TRINTA DA MANHÃ, ao abrir a porta para pegar o jornal, o morador da quadra 25, lote 6, da Rua Portal do Paraíso encontrou uma garrafa de vidro, fechada com uma rolha de cortiça, na soleira de sua porta. Escura, não deixava ver se algo havia em seu interior. O jornal do dia estava atirado dois degraus abaixo. Nem pegou os jornais. Passou sobre a garrafa, olhou a garrafa, cheirou a garrafa e afastou-se, parando no jardim, a cerca de três metros do inusitado objeto, protegendo-se atrás de um canteiro de rosas, como se pressentisse algum perigo. Começou a examinar de longe aquele objeto estranho e inoportuno que não devia estar ali. Como não sabia o que fazer, ficou andando de um lado para outro até que resolveu chamar os vizinhos.
Chamou os vizinhos da direita e da esquerda, com quem não mantinha relações estreitas, apesar de três anos morando lado a lado, comunicou a inusitada aparição e pediu a opinião dos dois. O vizinho da direita, ainda sonolento, achou que aquilo lá era o que parecia: uma garrafa. Por precaução sugeriu chamarem os bombeiros, a polícia, a defesa civil. O vizinho da esquerda, imaginando não se sabe o quê, afastou-se dez metros da cena e disse não saber o que aquilo poderia ser, além de ser, na aparência, uma garrafa.
O morador da quadra 25, lote 6, acordou a família e tentou convencer a mulher a levar as crianças até à casa do cunhado, seis quadras adiante. Aquele objeto conhecido podia ser um enorme problema caso não fosse uma inocente garrafa. E caso fosse algo mais que uma garrafa, poderia ser perigoso. Poderia ser uma bomba, poderia conter um líquido envenenado, disse o aflito morador da quadra 25, lote 6. Mas pode ser só uma garrafa de leite que um leiteiro deixou por engano, disse a mulher do intranqüilo morador. Ah, não! Retrucou a filhinha do casal, a de oito anos, bem que pode ser uma garrafa com uma mensagem! Podia conter uma mensagem, sim, já que era uma garrafa, e transportar mensagens sempre foi a principal finalidade das garrafas. Afinal garrafas trazendo mensagens em seu interior são acontecimentos corriqueiros desde que existem garrafas, náufragos e crianças. O que não se sabe é do conteúdo de tais mensagens. Pode ser uma simples brincadeira ou uma verdade perturbadora e perigosa.
Parece que a opinião da criança acalmou os adultos, pois em poucos instantes desistiram de chamar os bombeiros e o esquadrão anti-bombas, não restando outra coisa ao morador da quadra 25, lote 6 senão destampar a garrafa. Ainda temeroso, destampou-a como se abrisse um envelope, curioso pelo que pudesse haver no seu interior.
A criança menor esperou que saísse uma fumacinha da garrafa e se formasse o gênio ao qual ela faria três pedidos; a mãe olhando por cima do ombro do marido, o incentivava a agir com presteza, acabar com o mistério. A criança de oito anos insistia na mensagem que com certeza havia no interior da garrafa. O morador olhou para dentro da garrafa, viu alguma coisa, olhou novamente, agora colocando-a contra a luz e finalmente disse: parece haver uma mensagem.
Conseguiu retirar um papel enrolado como um charuto e, diante de todos, desenrolou-o lentamente. Leu: “Quando você ler esta mensagem, tudo já terá terminado”. E havia um rabisco como se fosse uma assinatura. Uma brincadeira! Coisa de quem não tem o que fazer! Disse a mulher, e os vizinhos repetiram: Coisa de quem não tem o que fazer!
O morador da quadra 25, lote 6, no entanto não dormiu naquela noite. Já tarde, quando todos dormiam, levantou e foi olhar a garrafa que havia deixado ao pé de um vaso no jardim. Pegou-a, cheirou-a, cheirava a sal e mar, recolocou-a ao pé do vaso. Como ela pode ter vindo parar aqui? Quem escreveu aquele bilhete? O que ele quis dizer?
Voltou até sua escrivaninha, pegou uma folha de papel, um lápis, e escreveu: “Se você ler esta mensagem é porque nada terá terminado.” Enrolou-a como um charuto e colocou-a dentro da garrafa; apertou a rolha para que não pudesse entrar água e deixou-a no mesmo local onde a havia encontrado pela manhã.
À noite sonhou com uma garrafa à deriva.
No outro dia, muito cedo, levantou e foi pegar o jornal. A garrafa já não estava lá.
4 comentários:
Bem instigante, curioso, critivo.
Gostei.
Hora que der visite: encontrodoscontos@blogspot.com, recém-criado.
Té mais.
Estará sempre em nossos corações.
Uma figura inesquecível!!!! Barreto deixará saudades eternas, mas viverá em seus contos deliciosos contos.
Adorei este conto. Queria ler mais textos do Barreto. Onde posso encontrar, em blogues, na Internet em geral ou algum livro que eu encontre aqui no Rio?
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